A Comissão Nacional de Acompanhamento (CNA) do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) encontrou atrasos em mais de metade dos investimentos. Há 39% em estado “preocupante” ou “crítico”, como as expansões do Metro de Lisboa, e a Comissão pede mudanças urgentes na organização da "bazuca".
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O relatório de acompanhamento do PRR relativo ao primeiro semestre deste ano e que foi apresentado em Lisboa, esta quarta-feira, demonstra um agravamento dos atrasos e dos riscos de execução dos projetos. Dos 103 investimentos analisados pela CNA, 62% estão atrasados. Dividem-se entre os estados de “necessário acompanhamento” (23%), “preocupante” (30%) e “crítico” (9%). Há ainda 33% que estão “alinhados com o planeamento” e 5% que já foram“concluídos”.
A CNA realça o “crescimento dos investimentos apreciados como 'preocupante' e 'crítico', que passaram de 26% para 39%”, entre junho de 2023 e o mesmo mês de 2024. Estes resultados refletem “um conjunto de dificuldades”, elenca a CNA, como “atrasos relevantes na análise das candidaturas, sendo muito frequente serem ultrapassados os prazos definidos nos avisos”.
O relatório alerta ainda para a “indisponibilidade ou inadequado funcionamento de plataformas para a submissão de despesas e pedidos de pagamentos por parte dos beneficiários finais”, além de “tempos longos na análise dos pedidos de pagamento e validação das despesas”. Registaram-se também “concursos públicos que ficaram desertos”, como os das obras para a economia do mar.
Ineficiências “em toda a engrenagem”, diz CNA
Na nota introdutória do documento, a CNA pede mudanças a sério, pois encontrou “ineficiências processuais e administrativas” que são “visíveis em toda a engrenagem” do PRR e “facilmente identificáveis”. A Comissão considera “urgente revisitar os processos, plataformas e interações”, por isso apela a “uma verdadeira reavaliação organizacional”.
Há ainda o problema da falta de recursos humanos nos beneficiários intermédios, que são as entidades públicas responsáveis pela escolha dos beneficiários finais que vão executar os investimentos, sejam privados ou públicos.
“A CNA tem deixado inúmeras chamadas de atenção, para as respetivas tutelas ministeriais, para que sejam encontrados mecanismos de robustecimento das equipas de recursos humanos dos beneficiários intermediários, sob pena da demora nas respostas colocar em causa a execução” do PRR, avisam. Isto também potencia “a frustração e exaustão dos muitos técnicos que, em ambos os lados, trabalham nestes objetivos”, acrescentam.
Comissão não conhece versão final do PRR
Quase um ano depois da reprogramação do PRR ter sido aprovada em Bruxelas, a CNA ainda não teve acesso ao documento. Na nota introdutória, o organismo sublinha que a versão final do acordo operacional “não está disponível para consulta” e, após ter feito o pedido, recebeu a resposta de que o mesmo “está a ser finalizado, sem previsão de data”.
Face a isto, a CNA avisa que “estas últimas alterações podem significar uma diminuição dos resultados e impactos anteriormente expectáveis, diminuindo o seu potencial transformador”, embora não seja possível apreciar a situação “sem conhecer em detalhe o acordo operacional”.
Em setembro de 2023, o PRR português foi alvo de uma reprogramação que mudou os marcos e metas a alcançar. O valor total foi reforçado e passou a ser de 22,2 mil milhões de euros. Antes, era de 16,6 mil milhões. O 5º pedido de pagamento, feito em julho e que a Comissão Europeia ainda está a analisar, já foi submetido ao abrigo dos valores do novo acordo operacional.
Os nove projetos em estado “crítico”
Entre os investimentos em estado “crítico” está a aquisição de equipamentos para os hospitais do Seixal, Sintra e Lisboa. São 196 milhões de euros que a CNA não sabe se já foram ou como serão gastos, pelo que a “probabilidade de incumprimento é real”. Recomenda, até, uma “renegociação das metas associadas, em antecipação ao risco de incumprimento”.
O Acessibilidades 360º, que tem 48 milhões de euros para melhorar o acesso de pessoas com deficiência a espaços públicos e privados, também está em nível “crítico”. Primeiro “pela demora na análise das candidaturas que tem caracterizado este investimento”, e depois porque, à medida que as empresas de construção vão sendo solicitadas para obras maiores, será mais difícil contratá-las para pequenas empreitadas, assinala a CNA.
Em risco também estão os 480 milhões de euros dos Centros Tecnológicos Especializados, destinados a modernizar a oferta das escolas com ensino profissional, adaptando-as ao contexto empresarial. A meta acordada com a Comissão Europeia diz que Portugal tem de criar 365 centros até dezembro do próximo ano. No entanto, também tem de cumprir o objetivo intermédio de ter 310 centros a funcionar até março. Em abril deste ano, apenas um centro tinha sido criado. Entretanto acelerou, mas ainda são menos de dez.
Entre os projetos “críticos” também estão os apoios à eficiência energética. As mais de 80 mil candidaturas a estes projetos estão a ser analisadas por equipas de quatro universidades contratadas pelo Governo (Nova, Coimbra, Minho e Aveiro), por falta de meios técnicos do Fundo Ambiental, o beneficiário intermédio que lançou o concurso.
Na mobilidade, o principal risco vai para a construção da linha vermelha, de São Sebastião até Alcântara, do Metro de Lisboa. A obra foi adjudicada por 322 milhões de euros à Mota-Engil, em dezembro do ano passado. O metro ligeiro de superfície entre Odivelas e Loures, também conhecido como linha violeta, é outra obra em estado crítico. Vai custar 527 milhões de euros, 390 milhões do PRR e 137 milhões do Orçamento do Estado. Terá 11,5 quilómetros e 17 estações, mas o concurso público só foi lançado em março deste ano.
O risco também está identificado no concurso para digitalizar o comércio de pequenas empresas, com uma recomendação para se reforçar a equipa de apoio informático do IAPMEI. Os polos de inovação digital para as empresas testarem inovações e incorporarem tecnologia estão igualmente longe da conclusão.
No plano escolar, a anulação das provas digitais, este ano, põe em risco a meta do PRR para 2025. O contrato com Bruxelas diz que Portugal tem de executar 540 milhões de euros do PRR para a compra de computadores, melhorias no acesso à internet e para a realização das avaliações em modo digital até 31 de dezembro de 2025.