Aos 97 anos, ator foi homenageado esta sexta-feira, em Aveiro, onde se inaugurou exposição sobre a sua carreira.
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Ruy Carvalho, aos 97 anos, deixou esta sexta-feira em Aveiro a garantia de que só vai “parar quando morrer”. Na inauguração da exposição “Retratos Contados de Ruy de Carvalho”, que está patente até 21 de dezembro no Teatro Aveirense, o ator, que se encontra a celebrar 83 anos de carreira, conversou com o público, recordou o passado, analisou o presente e deixou espaço para sonhar o futuro. Afinal, garante que ainda lhe falta interpretar em palco uma personagem a que nunca deu vida: a de um palhaço.
Numa conversa informal e intimista com os presentes, Ruy de Carvalho – apresentado como “o ator mais velho do Mundo no ativo” – confessou que o seu “remédio” para a longevidade “é não pensar na morte”. “A morte é certa. Para que havemos de pensar nela? Vivam a vida intensamente”, apelou o decano, que se encontra em digressão com duas peças – “Ruy, a história devida”, onde recorda episódios da sua vida e convida o público a fazer-lhe perguntas, e “A Ratoeira”, em que sobe ao palco com diversos atores, entre os quais o neto Henrique de Carvalho.
Para já, deixar de trabalhar não parece estar nos horizontes de Ruy de Carvalho. A idade não o trava. “Tenho vontade de servir as pessoas com o meu trabalho. Vou parar quando morrer, quando chegar a minha altura. Não vou ficar para açorda, pois não”, questionou, com humor, arrancando gargalhadas à volta. “Enquanto for capaz, enquanto os meus reflexos derem alguma qualidade, eu trabalho. Quando vir que não tenho reflexos, aí, então, já não vale a pena trabalhar”, assegurou.
“O público faz a qualidade”
É para o público, garantiu o ator que foi condecorado por todos os presidentes da República eleitos após o 25 de abril – exceto por Ramalho Eanes, seu amigo íntimo –, que Ruy de Carvalho continua a trabalhar. “O público é que faz a cultura. Se o público não gostar, nós não podemos ser coisa nenhuma. Por isso, é ele que faz a qualidade. A gente precisa da opinião das pessoas e do vosso carinho”, atestou Ruy de Carvalho, na cidade que este ano celebra a iniciativa “Aveiro 2024 – Capital Portuguesa da Cultura”. “O povo é quem mais ordena”, deixou claro, evocando a Revolução dos Cravos.
E porque os 97 anos são carregados, eles próprios, de sabedoria, aos atores da nova geração, Ruy de Carvalho deu um conselho: “Que não desistam. Que tentem sempre conquistar mais o público com a qualidade do trabalho que fizerem”.
Após o descerramento de uma placa em sua honra, no foyer do Aveirense, o ator deixou a certeza, ainda, de que cada homenagem que lhe fazem “não é apenas mais uma”. “É mais uma coisa para ter responsabilidade. Cada vez tenho mais responsabilidade no trabalho que faço e cada vez tenho de cumprir melhor, ainda mais do que já cumpro”.
Viagem aos palcos
A homenagem é a Ruy, mas, nas dezenas de imagens expostas no Teatro Aveirense – que fazem parte do arquivo do Teatro Nacional D.Maria II –, não faltam rostos de atores que com ele contracenaram ao longo da carreira. Carmen Dolores, Eunice Muñoz, Fernanda Borsatti, Armando Cortez, entre outros. Nem podia ser de outra forma, garante, Nélson Mateus, curador da exposição. “O Ruy é de uma humildade tão grande que nunca quer ser homenageado sozinho”, frisou.
Visitar a exposição é ir aos palcos de “Os três chapéus altos”, de 1962, ou do clássico “Rei Lear”, que Ruy de Carvalho interpretou em 1998 e que muitos julgam ter sido a sua peça predileta. Não foi, confessou-o. A sua encenação favorita, e que ainda hoje guarda na memória, tem outro nome: “O render dos heróis”, de José Cardoso Pires. E porquê? Porque "ali está o povo português"