São quase três dezenas as produções brasileiras no Festival de Berlim.
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Se a qualidade média dos filmes a concorrer pela Palma de Ouro, atingida a metade da seleção oficial, é bastante abaixo do que seria desejável para um evento com esta tradição, há pelo menos uma grande exceção que confirma a regra: “O Último Azul”, o novo filme de Gabriel Mascaro, que tem sido quase unanimemente apontado como o grande favorito, até agora, ao Urso de Ouro.
Se ainda há para ver filmes de Richard Linklater, Radu Jude ou Hong Sangsoo, a verdade é que toda a gente fala por aqui deste filme de Mascaro, uma alegoria distópica, mas quase realista, sobre um Brasil onde os idosos de mais de 75 anos são obrigados a irem para uma colónia, perdendo a sua independência financeira para os seus filhos.
O filme, rodado numas paisagens amazónicas fora do bilhete-postal, conta com uma assombrosa participação da veterana do teatro, da televisão e do cinema, Denise Weinberg e também com um pequeno mas importante papel para m Rodrigo Santoro cuja caracterização nos faz demorar algum tempo a identificar.
Retrato do Brasil de hoje, mas também de um mundo em que agora habitamos, filme fruto do bolsonarismo e da pandemia – uma dupla pandemia, chamou-lhe Mascaro – tem ainda uma forte crítica à dimensão religiosa de um país, como o realizador sublinhou, agora maioritariamente evangélico. Uma das suas mais incríveis personagens é uma mulher que vende Bíblias em forma de tablete, mas assume que nem sequer acredita em Deus…
O cinema brasileiro já estivera em competição no último Cannes, como “Motel Destino”, de Karim Ainouz, e em Veneza, onde sobressaíra “Ainda Estou Aqui”, que está na corrida aos Óscares e tem sido nas últimas semanas o filme mais visto em Portugal. Sucede-lhes agora este comovente e mágico “O Último Azul”, de Gabriel Mascaro. Resultados só no próximo sábado.
Mas o cinema brasileiro tem estado também em foco em outras secções da Berlinale. Já aqui déramos conta de “A Melhor Mãe do Mundo”, de Anna Muylaert, com uma sensacional Shirley Cruz na protagonista. O seu trabalho, numa mãe de dois filhos que vende cartão que recolhe no lixo é tão realista que aqui disséramos tratar-se de uma atriz não profissional, quando Shirley Cruz é isso sim uma atriz veterana e empenhada socialmente.
Por seu turno, os jovens mas já experientes Filipe Matzenbacher e Marcio Reolon surpreendem com a intensidade do seu “Ato Noturno”, candidato aos Teddy Awards, que distingue os filmes queer de todas as secções. Trata-se de um thriller político, ambientado em Porto Alegre, fora dos circuitos habituais do Rio de Janeiro e de São Paulo, misturando sexo, política, dança e antirracismo, numa mistura explosiva que nos mantem agarrados à cadeira até ao fim. Algo que, infelizmente, nem sempre tem acontecido aqui pela Berlinale.