Em duas semanas, Governo "já perdeu a credibilidade" devido ao caso do IRS, acusa PS
A líder da bancada parlamentar do PS, Alexandra Leitão, acusou o Governo de ter perdido a "credibilidade" devido à polémica relativa à real dimensão do alívio fiscal. Da Esquerda à Direita, os partidos consideraram que o Executivo foi deliberadamente ambíguo. "Este debate é um embuste", respondeu ministro.
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"Menos de duas semanas após tomar posse, o Governo já perdeu a credibilidade e minou a relação de confiança com os portugueses", afirmou Alexandra Leitão, acusando o Executivo de ter dado a entender que iria cortar 1500 em IRS quando, na verdade, tencionava apenas fazer uma redução de cerca de 200 milhões. Tratou-se, frisou, de um "embuste" que enganou "a maior parte" do país.
"Feitas as contas, 88% da medida do PSD é, afinal, do PS", prosseguiu a antiga ministra, que não poupou o Governo: "Na política, como na vida, é tão grave mentir como deixar que a falsidade se instale por omissão propositada", referiu.
Alexandra Leitão alegou ainda que, em vez de falar de forma clara, o Governo se "vitimizou", passando a ideia de que os outros é que tinham feito uma interpretação errada da proposta de redução do IRS. Lamentando a ausência do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, a deputada alertou, de forma indireta, que é este tipo de comportamento que faz crescer os extremismos.
"Cuidado, sr. ministro: quem anda em contramão normalmente provoca acidentes", atirou a deputada do PS, dirigindo-se a Miranda Sarmento. Sublinhou que o episódio em torno do IRS é "mais uma machadada na credibilidade dos políticos e na confiança na democracia".
"Ambiguidade e dissimulação"
O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, fez um pedido de esclarecimento a Alexandra Leitão, desafiando-a a dizer se o primeiro-ministro, Luís Montenegro, disse ao Parlamento "coisa diferente" do que tinha dito em campanha sobre o IRS - ou seja, se mentiu. A socialista respondeu que Montenegro "disse exatamente o mesmo" nesses dois momentos, "com a mesma ambiguidade e a mesma dissimulação".
A polémica sobre o corte no IRS surgiu, recorde-se, quando o ministro das Finanças esclareceu que a redução de 1500 milhões de euros já incluía os cerca de 1300 milhões de euros já inscritos no último Orçamento do Estado do PS. O ministro das Finanças não esteve presente no debate, por estar numa reunião do FMI em Washington.
O Governo fez-se representar pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, além do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Carlos Abreu Amorim, e da secretária de Estado dos Assuntos Fiscais, Cláudia Reis Duarte.
Governo insiste que cumpriu promessa. Corte de 1500 milhões "só existe porque AD ganhou as eleições"
O ministro dos Assuntos Parlamentares rejeitou as críticas. Devolvendo a acusação de Alexandra Leitão, afirmou que o único "embuste" foi o PS ter pedido um debate para discutir este tema. Garantiu que o Governo está "a cumprir de forma rigorosa" o que tinha prometido em campanha, acusando ainda os socialistas de terem querido "transformar uma notícia boa numa notícia má".
Pedro Duarte realçou que a "boa notícia" do desagravamento do IRS em 1500 milhões de euros "face a 2023", antecipando-o já para este ano e reforçando o seu impacto para a classe média, "só existe porque a AD ganhou as eleições". Ouviu palmas dos deputados de PSD e CDS, bem como vozes de desaprovação vindos das bancadas da Oposição, sobretudo da do PS.
O governante rejeitou que a AD tenha alguma vez falado em "choque fiscal", salientando que a proposta de corte no IRS sempre partiu do pressuposto de que o "equilíbrio orçamental" não seria posto em causa. De forma a provar que o país não foi enganado, leu passagens do programa da AD e do programa eleitoral. Citou ainda as palavras do primeiro-ministro quando este anunciou, no Parlamento, uma "diminuição global" que iria "perfazer" a quantia de 1500 milhões.
"Não nos enganámos no valor, não mentimos, não fizemos de conta", reforçou Pedro Duarte. Acrescentou que, se se somasse o IRS Jovem e as isenções dos prémios de produtividade, o montante ascenderia mesmo a 3 mil milhões de euros. Uma vez mais, as bancadas da AD aplaudiram e a do PS protestou.
O ministro rejeitou ainda a acusação de Alexandra Leitão segundo a qual o Governo minou a confiança nas instituições: "Ao cumprir o que prometemos, reforçámos a nossa relação de confiança com o país", rematou.
"Tomar o país por parvo". Da Esquerda à Direita, Oposição não poupa Governo
André Ventura, do Chega - que, ao início, já tinha feito um pedido de esclarecimento ao PS, acusando os socialistas de "falta de vergonha" e ouvindo, em troca, que estava a defender o Governo -, considerou que a promessa de redução fiscal da AD "não está a resultar". Referiu que ou o Executivo intensifica o corte no IRS no próximo ano ou a diminuição anunciada não passará de um "embuste".
Rui Rocha, da IL, usou um exemplo concreto para ilustrar o que se passou: dirigindo-se ao ministro dos Assuntos Parlamentares, referiu que, se prometesse que lhe daria 150 euros para a mão, não seria aceitável dar-lhe só 20 euros e justificar que o ministro já tinha recebido 130 antes. "Convenhamos que não é a mesma coisa", afirmou, acusando o Governo de ter "deliberadamente" deixado o país sem explicações quanto à dimensão do corte no IRS.
Mariana Mortágua, do BE, lamentou que Montenegro não tenha estado na sala, uma vez que é ele o responsável pelo "choque fiscal" da AD - a "mãe de todas as propostas" conforme a descreveu. Acusando a coligação de ter deixado "que saíssem as notícias" sobre o corte de impostos, considerou que o Governo fez um "exercício de manipulação" para "ganhar eleições". Classificou essa atitude como "um insulto" que pretende "tomar o país por parvo".
Paula Santos, do PCP, começou por lembrar que foram os Governos de Direita que aumentaram mais "significativamente" o IRS, acusando os partidos dessa área do espectro político de falarem "muito de impostos porque não querem falar de salários". Acusou o Executivo de "enganar os portugueses" quanto ao IRS e de ter como "grande objetivo" a redução de impostos para as grandes empresas.
Jorge Pinto, do Livre, disse que o Governo teve "muitas oportunidades" para esclarecer a sua proposta de descida do IRS, mas nunca o fez. Considerou que o Executivo se inspirou em Cavaco Silva para apostar numa estratégia de "gestão do silêncio" e alegou que as previsões de crescimento do programa da AD se baseavam num "otimismo" excessivo e até em "fé".