Do azeite mediterrânico ao peixe escandinavo, os investigadores estão a integrar tecnologias digitais nas principais indústrias alimentares da Europa para combater os produtos contrafeitos.
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As colinas ondulantes da Úmbria apresentam uma vista idílica de alguns dos melhores e mais antigos olivais de Itália. Agora, estes pomares antigos estão a ajudar a combater a fraude alimentar, um problema que custa à UE entre 8 e 12 mil milhões de euros por ano.
Os produtores de azeite da Úmbria estão a fornecer a um grupo de investigadores e peritos alimentares financiados pela UE amostras do seu célebre azeite virgem extra, para testar novos métodos portáteis de autenticação baseada no ADN, que irão melhorar a proteção da sua indústria contra fraudes e enganos.
"Os testes de ADN criam um produto transparente", afirmou Stelios Arhondakis, Diretor Executivo da BioCoS, uma empresa grega de biotecnologia sediada em Creta.
Está no ADN
O azeite virgem extra é um produto de elevado valor, o que o torna um alvo lucrativo para os autores de fraudes. A contrafação pode consistir na diluição das garrafas com azeites de qualidade inferior, como outros tipos de azeite mais barato, com óleos vegetais, ou na rotulagem incorreta da variedade ou da origem geográfica do produto.
Para os produtores de azeite, um meio eficaz de bloquear estas práticas seria muito valioso.
A BioCoS é especializada em soluções de rastreabilidade baseadas no ADN destinadas a combater a fraude alimentar e a melhorar a transparência no sector agroalimentar. "Se souber exatamente o que está dentro da garrafa, não pode adicionar ou misturar mais nada", disse Arhondakis.
O seu trabalho faz parte de uma iniciativa de investigação de três anos financiada pela UE, denominada WATSON, que reúne 47 parceiros de investigação e desenvolvimento tecnológico de 20 países da UE e de países terceiros.
Estabelecer confiança
Arhondakis explica que o seu método baseado no ADN complementará outros testes existentes, melhorará a rastreabilidade e proporcionará uma nova ferramenta de autenticação de ADN facilmente acessível aos produtores de uma vasta gama de produtos alimentares.
"O nosso objetivo é criar um sistema de teste de ADN acessível, rápido e preciso no local, que possa ser utilizado para fornecer resultados rápidos em qualquer ponto da cadeia de abastecimento, minimizando a necessidade de equipamento de laboratório e de conhecimentos específicos."
Também há vantagens para os consumidores. A melhoria dos testes significa que os compradores podem confiar que estão a comprar o aquilo que pagam. Garante também que os produtos adquiridos foram produzidos de acordo com elevadas normas de segurança e sustentabilidade.
Seguro e rastreável
O teste de ADN identificará o perfil genético de um produto alimentar. Esta informação será então armazenada utilizando tecnologia de cadeia de blocos à prova de adulteração, criando um livro-razão digital.
Estes registos estarão acessíveis às partes interessadas envolvidas na produção, transporte e venda a retalho dos produtos alimentares visados, bem como às autoridades alimentares, se necessário.
Para além do azeite, a equipa de investigação WATSON está a realizar cinco estudos-piloto nas indústrias alimentares europeias mais afetadas pela fraude: mel (Espanha), carne (Alemanha), produtos lácteos e cereais (Finlândia), peixe branco (Noruega) e vinho (Portugal).
Dimitrios Argyropoulos é diretor do Digital Tech Lab da School of Biosystems and Food Engineering da University College Dublin, Irlanda, e é responsável pela coordenação da investigação levada a cabo pela equipa WATSON. A sua investigação centra-se nas cadeias de valor agro-alimentares sustentáveis e tem um interesse particular na aplicação da Internet das Coisas (IoT), das tecnologias de sensores e da IA à produção alimentar.
Explica que os desafios individuais enfrentados por cada sector exigem abordagens técnicas distintas.
"Aplicamos uma seleção diferente de tecnologias com base no problema que queremos resolver", afirmou.
Isto pode significar sensores baseados no ADN ou imagens especializadas para identificar ingredientes, ou ainda dispositivos IoT capazes de ligar os produtos alimentares à Internet para rastrear automaticamente a sua origem, movimento, localização e até a temperatura de armazenamento.
"Estamos a concentrar-nos em ferramentas de baixo custo, sempre que possível, e portáteis, de modo a serem fáceis de deslocar em toda a cadeia de abastecimento alimentar."
Utilizar a tecnologia para acompanhar o vinho
Em Portugal, disponibilizar a tecnologia de sensores e IoT aos produtores de vinho é uma prioridade fundamental. O objetivo é poder seguir as uvas desde a sua parcela exata na vinha até ao processo de colheita e transporte para o local de produção final.
Melhorar a rastreabilidade é uma forma poderosa de dissuadir a fraude alimentar, ajudando a colmatar as lacunas na cadeia de abastecimento que o crime organizado poderia explorar.
Os dados de monitorização da cadeia de valor, juntamente com a IA, fornecerão um sistema de alerta precoce que pode assinalar quaisquer anomalias e ajudar a detetar atividades fraudulentas no momento em que estas ocorrem, explicou Pedro Miguel Carvalho, investigador sénior do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência, no Porto, Portugal.
"Por exemplo, se um camião que transporta uvas tomar um rumo inesperado ou fizer uma paragem invulgar, pode ser sinal de uma tentativa de interceção das uvas", disse.
De acordo com Carvalho, o trabalho que está a ser realizado pelos investigadores do WATSON é fundamental, dada a dimensão da fraude no sector do vinho na UE. Estima-se que a fraude no sector vitivinícola regular da UE custe 1,3 mil milhões de euros por ano, cerca de 3% do valor total das vendas.
Mais de 1 milhão de litros de bebidas alcoólicas contrafeitas, principalmente vinho, foram apreendidos em toda a Europa em 2020 e mais de 1,7 milhões em 2021 em ações específicas conduzidas pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude no âmbito de operações conjuntas Europol-Interpol.
Da quinta ao telefone
A ambição de muitos dos protótipos de tecnologias em desenvolvimento é que os consumidores possam utilizar os seus telemóveis inteligentes para ler os rótulos e aceder aos dados biográficos do produto apresentado sob a forma de um "passaporte alimentar".
A esperança é que, quando o trabalho dos investigadores estiver concluído, em 2026, as novas tecnologias sejam adotadas e utilizadas noutros países e setores alimentares.
A redução das possibilidades de fraude contribuirá para criar um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente, tal como previsto na estratégia "do prado ao prato" da UE.
"As ferramentas desenvolvidas através da WATSON vão ajudar-nos a criar uma camada extra de proteção contra a fraude alimentar, que pode prejudicar seriamente tanto as cadeias de abastecimento alimentar como o ambiente", afirmou Argyropoulos.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.