Venezuela grita "fraude": gás lacrimogéneo, detenções, feridos e estátua de Chávez no chão
Vários protestos tomaram conta da capital da Venezuela, na sequência da reeleição de Maduro como presidente do país, inesperada face a quase todas as sondagens, que davam maioria à oposição. Dezenas de militares lançaram gás lacrimogéneo contra os manifestantes. Pelo menos 20 foram detidos e alguns ficaram feridos.
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Alguns milhares de venezuelanos saíram às ruas de Caracas, ao final da tarde desta segunda-feira (hora local), em protesto contra a proclamação de vitória do presidente Nicolás Maduro, reconhecida pelo Conselho Nacional Eleitoral (organismo do Estado venezuelano, com ligações ao chavismo) sob forte contestação interna e internacional.
As imagens vindas do outro lado do Atlântico mostram uma deslocação massiva, com os manifestantes, maioritariamente jovens, a pedirem a demissão imediata de Nicolás Maduro, carregando bandeiras da Venezuela, queimando pneus e arrastando pelo chão cartazes da campanha madurista. "Vai cair. Este governo vai cair", gritava a multidão, munida de panelas, frigideiras e instrumentos para acompanhar ruidosamente os gritos de protesto contra o que considera ter sido uma eleição fraudulenta.
Gás lacrimogéneo, 20 detidos e alguns feridos
Depois de terem percorrido cerca de 10 quilómetros pelo leste da capital, milhares de manifestantes chegaram a um ponto junto à principal autoestrada, onde membros da Guarda Nacional Bolivariana (militarizada) e da Polícia Nacional Bolivariana impediram a continuação da caminhada. Os militares e polícias dispararam gás lacrimogéneo e chumbos contra os cidadãos, detendo cerca de 20 e provocando alguns feridos.
Hugo Chávez derrubado
Fora de Caracas, num dos protestos desencadeados na sequência da reeleição do presidente para um terceiro mandato de seis anos (com 51% dos votos contra 44% da oposição), um grupo de manifestantes derrubou uma estátua de Hugo Chávez, antecessor de Maduro e figura-chave da Revolução Bolivariana. O incidente terá acontecido na avenida Shema Saher de Coro, no estado de Falcón, segundo reportam alguns órgãos de comunicação locais e brasileiros (veja os vídeos abaixo).
Oposição declarou vitória por 70%, Maduro fala em "golpe de Estado"
Com 80% dos boletins de voto verificados, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) declarou, na madrugada desta segunda-feira, a vitória de Maduro por 51% dos votos, contra 44% de Edmundo González Urrutia, candidato da coligação da oposição.
María Corina Machado, principal rosto da oposição embora não tenha sido a candidata oficial (foi impedida de concorrer pelo Supremo Tribunal), denunciou o que apelidou de "fraude" nas urnas e anunciou o ex-diplomata como novo presidente da Venezuela, assegurando que Urrutia venceu Maduro por 70% dos votos.
"Hoje queremos dizer a todos os venezuelanos e ao mundo inteiro que a Venezuela tem um novo presidente eleito: Edmundo González. Ganhamos e todo o mundo o sabe", disse María Corina, defendendo a vitória do seu grupo político a partir dos resultados de quatro contagens "autónomas" e da análise de 44% das atas das urnas entregues até então.
Durante a cerimónia de proclamação da vitória de Maduro pelo CNE, o presidente denunciou que o não reconhecimento do resultado por parte da oposição é uma tentativa de "golpe de Estado de caráter fascista e contrarrevolucionário". "Estão a ensaiar os primeiros passos fracassados para desestabilizar a Venezuela e impor novamente um manto de agressões e de dano ao país", disse, após ser proclamado presidente de uma nação que, de acordo com vários académicos e jornalistas ouvidos pelo JN, está afogada numa profunda crise social e económica, em que 90% da população vive abaixo do limiar da pobreza.
Mundo pede transparência
O chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, considerou, em comunicado, que os resultados eleitorais não podem ser considerados até que todos os registos oficiais sejam "publicados e verificados. O alto representante para a Política Externa e de Segurança da UE apelou ao CNE a atuar "com a máxima transparência no processo de apuramento dos resultados, incluindo o acesso imediato aos registos de votação de todas as assembleias de voto e a publicação dos resultados eleitorais desagregados". "A UE apela também às autoridades para que garantam a investigação completa e atempada de quaisquer queixas ou reclamações pós-eleitorais", pode ler-se.
Por seu turno, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou a uma "total transparência" na Venezuela, pedindo que qualquer disputa eleitoral seja "resolvida pacificamente".
Nove países latino-americanos pediram, também, uma revisão dos resultados eleitorais. Argentina, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai divulgaram uma nota em que "exigem uma revisão completa dos resultados com a presença de observadores eleitorais independentes", bem como uma reunião sobre o tema sob a égide da Organização dos Estados Americanos (OEA). Na mesma linha, Brasil, França, Reino Unido e Portugal pediram a verificação imparcial dos resultados.