Casas sociais compradas por inquilinos ao Estado revendidas pelo triplo do preço
O fenómeno de revenda das casas sociais compradas por inquilinos ao Estado, por valores muito superiores, contribuiu para a diminuição do parque habitacional público. O custo médio das casas em Lisboa foi de 28 711 euros. A situação gera o caos na gestão dos bairros.
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O parque habitacional público estagnou na última década, registando-se até uma ligeira diminuição, sobretudo devido às casas vendidas a preços baixos aos inquilinos de bairros sociais. Algumas dessas casas estão agora revendidas por preços substancialmente maiores. Em 2011, segundo dados do INE, o número de casas detidas pelo Estado e câmaras municipais era de 123 158. Dez anos depois, o parque habitacional público reduziu-se para 123 053, o que significa uma perda de 105 casas. Este é o saldo dos dez anos, pois neste período houve milhares de habitações públicas que foram construídas e outras vendidas.
Ao JN, o docente e geógrafo do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, Luís Mendes, explica que a diminuição do número de casas públicas resulta da sua venda aos inquilinos: “Quando as famílias ficam durante muito tempo numa casa tem havido uma certa bondade institucional que aliena a preços bastante apetecíveis estes imóveis aos privados”. O docente adianta ainda que muitas são revendidas: “Estas famílias muitas vezes compram os imóveis e não resistem a vendê-los ao preço do mercado, que é muito mais alto”.
Só em Lisboa, entre 2008 e 2021, a câmara municipal vendeu 1630 casas a inquilinos de bairros sociais, segundo dados da autarquia. A maioria foi vendida ao abrigo de um programa lançado em 2012 que concedia um crédito sem juros destinado à compra, desde que o inquilino desse a entrada de 15% e não revendesse a casa durante dez anos. Com estas vendas, a Câmara de Lisboa arrecadou 46,8 milhões de euros, o que dá uma média de 28 711,66 euros por cada habitação. O problema é que os prazos de dez anos têm terminado e as casas, outrora sociais, estão a entrar no mercado inflacionadas.
O jornal "Mensagem de Lisboa" fez um levantamento exaustivo da diminuição de casas na capital e concluiu que já há bairros sociais com mais de 80% dos fogos privados. Não faltam casos de moradores que compraram as habitações por 30 mil euros e agora as revenderam por 100 mil. Estão em bairros como o das Amendoeiras, em Chelas.
Limite à revenda
"Também conhecemos essa situação. Compraram-nas a preços razoáveis, e estou a ser simpático", confirma António Machado, secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL). Conhecedor do mercado lisboeta, o secretário-geral adianta que "há situações em que durante uns anos não se podia revender, mas nada impediu que se assinasse a promessa de compra e venda antes desse tempo".
A AIL é, há muitos anos, a favor de "estancar a alienação de habitação pública, reabilitando e disponibilizando o património público devoluto vocacionado para habitação", destinando-o a pessoas com menores rendimentos. É que além de diminuírem o parque público, as alienações "complicam muito a gestão" das partes comuns. Nos casos em que os bairros têm uns fogos públicos e outros privados, a gestão pode ser uma dor de cabeça, revela: "Ou os particulares fazem a gestão das partes comuns e a câmara paga, ou, quando as coisas não são assim, não funcionam".
António Machado realça que a culpa do fenómeno das revendas "não pode ser atribuída a quem comprou e agora vende”. Deve, antes, ser atribuída “ao proprietário primário que tirou a casa do parque público". Ou seja, às câmaras e ao Estado.
Revenda
Como funciona
As câmaras e o Estado permitem que, ao fim de algum tempo, geralmente 20 anos, os inquilinos das casas públicas as comprem. O valor e os anos necessários variam conforme o município.
Porto à margem
As zonas urbanas do Porto e Lisboa foram onde se registaram maiores diminuições do parque público. No caso do Porto, no entanto, Rui Moreira suspendeu as alienações em 2014, pelo que os imóveis alienados foram do Estado.
Inalienabilidade
A venda de casas públicas geralmente é feita com uma cláusula que proíbe a revenda por um período.