Os encargos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com medicamentos para o tratamento da diabetes quase duplicaram entre 2019 e o ano passado. Em 2024, aqueles fármacos, dispensados nas farmácias comunitárias e com comparticipação, custaram mais de 417 milhões de euros.
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Os dados revelados pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) ao JN mostram que, em 2019, os medicamentos antidiabéticos dispensados nas farmácias comunitárias, mediante apresentação de receita médica e com comparticipação, custaram mais de 250 milhões de euros ao SNS. No ano passado, o valor superou os 417 milhões. Trata-se de um aumento na ordem dos 66%. Para estas contas, não entram as insulinas, mas inclui-se, por exemplo, a substância semaglutido presente nos medicamentos Ozempic e Rybelsus.
"Este crescimento é um reflexo do crescimento da prevalência da diabetes em Portugal, que está por sua vez relacionada com o envelhecimento da população, sedentarismo e hábitos alimentares pouco saudáveis. Portanto, mais pessoas com diabetes implica necessariamente um aumento do consumo destes medicamentos", aponta Manuel Lemos. O presidente do Colégio de Endocrinologia e Nutrição da Ordem dos Médicos atenta, ainda, que "tem havido mais medicamentos inovadores" nesta área: "são mais caros" e trazem "encargos acrescidos para o SNS".
Nos números do Infarmed é também visível a preponderância do semaglutido: em 2021, a comparticipação deste princípio ativo, quer em injetável (Ozempic) ou comprimidos (Rybelsus), custou mais de 7,5 milhões ao SNS, passando para os mais de 40 milhões no ano passado. Além de usados para o tratamento da diabetes tipo 2, aqueles dois fármacos têm como efeito secundário a perda de peso, o que tem causado ruturas nas farmácias, nomeadamente o Ozempic.
Alargar a comparticipação
Em Portugal, a comparticipação de semaglutido só acontece para "doentes com diabetes tipo 2 e que tenham ou tiveram um índice de massa corporal superior a 35", clarifica Mariana Monteiro, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia. Caso seja prescrito para pessoas com obesidade e sem diabetes tipo 2, o utente terá de pagar o valor integral dos fármacos: 106,85 euros no caso do Ozempic e 120,83 euros no Rybelsus. Com comparticipação, os valores baixam para os 10,68 euros e os 12,08 euros, respetivamente.
José Manuel Boavida, presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), assume que as ruturas do stock de Ozempic nas farmácias, nos últimos meses, causaram ansiedade e desespero nos doentes diabéticos. Contudo, o responsável associativo afirma que os medicamentos com semaglutido são hoje uma "alternativa extremamente válida e absolutamente necessária" para quem tem obesidade. A acontecer, o "tipo e o grau de comparticipação teriam de ser discutidos entre os laboratórios e o Ministério da Saúde", afirma.
O entendimento do líder da APDP é o mesmo de vários especialistas, entre eles sociedades médicas, que defendem a comparticipação de medicamentos como o Ozempic para o tratamento da obesidade. "Creio que faria sentido discutir, de forma criteriosa, a possibilidade de comparticipação destes fármacos para pessoas com obesidade, começando pelas situações mais graves, para as quais, aliás, o SNS já paga tratamentos cirúrgicos para perder peso - a chamada cirurgia bariátrica", justifica Manuel Lemos. O presidente do Colégio de Endocrinologia e Nutrição da Ordem dos Médicos aponta ao JN que "a decisão deve ser sustentada por evidência científica, critérios clínicos bem definidos e uma avaliação do custo-benefício para o SNS".
Tomar doses mais pequenas
Caso o alargamento da comparticipação da semaglutido não aconteça, José Manuel Boavida teme que, indiretamente, se criem "situações de vendas de mercado negro" e ruturas de stock nas farmácias, o que poderá levar os doentes diabéticos a tomar doses mais pequenas dos fármacos, de forma a prolongar a duração das embalagens. "A diabetes é, em grande medida, provocada pela obesidade. Para prevenirmos a diabetes, temos também que tratar da obesidade. Culpabilizar as pessoas pela obesidade é ofendê-las", refere.
No início deste ano, o Infarmed anunciou um "processo alargado de auditorias e inspeções" a medicamentos antidiabéticos, depois de ter sido registada "escassez no mercado global destes e de outros fármacos do mesmo grupo terapêutico". Ao JN, a autoridade referiu, em meados de junho, que a auditoria "ainda se encontra a decorrer", mas não esclareceu se foram recebidas algum tipo de denúncias sobre estes fármacos.
Também a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) não respondeu em tempo útil sobre a possibilidade de terem sido apreendidos fármacos antidiabéticos ou se há processos abertos sobre este tipo de medicamentos.
Obesidade
No ano passado, foram vendidas quase 120 mil embalagens de medicamentos com indicação para o tratamento da obesidade nas farmácias, adiantou o JN em março deste ano, segundo os dados da Associação Nacional de Farmácias (ANF). Os medicamentos em causa incluem substâncias ativas como bupropriom + naltrexona, o liraglutido, o orlistato, a sibutramina e o tirzepatida.
Semaglutido
É um princípio ativo vendido comercialmente sob as marcas Ozempic, Rybelsus e Wegovy. No caso do Wegovy, o medicamento pode ser prescrito pelos médicos, mas não existe comparticipação em Portugal. O preço de venda começa nos 153,08 euros. É um fármaco na categoria dos antidiabéticos, mas foi especialmente formulado para o tratamento da obesidade.
Tirzepatida
É um princípio ativo vendido comercialmente pelo nome de Mounjaro. Também pode ser prescrito em Portugal, mas não é comparticipado. É indicado para o tratamento da diabetes tipo 2 e da obesidade. Dependendo da dosagem, o preço pode chegar aos 430,46 euros.