Advogado diz que mãe das gémeas foi alvo de "mentira calculada" e "assassinato mediático"
O advogado da mãe das gémeas tratadas com o medicamento Zolgensma afirmou, esta sexta-feira, na comissão parlamentar de inquérito que Daniela Martins foi alvo de uma "mentira calculada" por parte de um deputado e também de um "assassinato mediático".
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Estas críticas foram deixadas por Wilson Bicalho na intervenção inicial que fez na comissão de inquérito sobre o caso das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com o medicamento Zolgensma. O advogado aproveitou esse momento para "fazer a defesa" da sua cliente, que foi ouvida na comissão de inquérito na sexta-feira passada.
Wilson Bicalho disse que Daniela Martins "foi covardemente confrontada" por "um deputado desta casa" - referindo-se ao líder do Chega, André Ventura, com documentos que diziam "que tinha entrado com uma ação na justiça brasileira" para aceder a um medicamento que não o Zolgensma em "agosto de 2019", e indicou que "o processo em questão é datado de 17 de setembro de 2019", salientando que é posterior à atribuição da nacionalidade portuguesa às duas crianças.
O pedido para as crianças terem acesso ao Zolgensma foi feito "em 10 de dezembro". "É triste dizer isso, mas a minha cliente foi confrontada com uma mentira calculada, contada sem demonstrar compaixão humana", e com o objetivo de alimentar "jogos de bastidores", criticou.
O advogado da mãe das gémeas criticou também a comunicação social pelo tratamento do caso, defendendo que Daniela Martins foi alvo de um "assassinato mediático" e um "ataque grosseiro, desumano, covarde". "É inaceitável e desprezível", afirmou, indicando que a "família vem sendo confrontada desde outubro do ano passado com a imagem e a cara das crianças na televisão, na comunicação social" de uma "maneira tão baixa, cruel e insensível".
Wilson Bicalho queixou-se também de um "assassinato de imagem" por parte da comunicação social e de jornalistas "maquiavélicas, sensacionalistas", falando ainda em "desinformação e mensagens de ódio".
O representante da mãe das crianças disse ainda que a justiça não concluiu que houve algum "crime praticado" por Daniela Martins e que "não há sequer motivos para ouvi-la, quiçá constituí-la arguida".
Wilson Bicalho rejeitou ainda que as crianças tenham passado à frente de outros utentes e indicou que foram aquelas que "ficaram mais tempo à espera" para tomar este medicamento.
Quanto ao pedido de nacionalidade, Wilson Bicalho assinalou que "simplesmente o processo é mais rápido" quando se trata de crianças.
Sobre o envolvimento do empresário José Magro no caso, uma questão suscitada pelo BE, a defesa da mãe das gémeas luso-brasileiras referiu que Daniela Martins "não teria problema algum em dizer que conhecia o senhor, se realmente o conhecesse" e salientou que o email que seguiu da mãe para o diretor do Hospital dos Lusíadas a pedir uma consulta, com o conhecimento do empresário e ao qual este respondeu, "é um entre tantos e tantos emails". "Nunca mais houve qualquer contacto. Graças a Deus há nesse mundo pessoas que querem ajudar, sem querer nada em troca", afirmou o advogado.
Wilson Bicalho referiu-se ainda à consulta do dia 13 de maio com o Hospital de Santa Maria, e sustentou que a mãe das gémeas pediu que decorresse 'online' porque "as crianças não podiam vir por uma questão de saúde" e também devido à divulgação de imagem.
O advogado disse que foi preciso "travar uma batalha com o hospital" para que essa "consulta praticamente matemática" pudesse ocorrer por videoconferência.
As críticas do advogado estenderam-se também aos médicos, que acusou de não terem informado a família sobre as hipóteses.
Suspensa audição do advogado
A comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras foi suspensa uma hora e meia depois de ter começado, após o advogado da mãe das crianças invocar o direito ao sigilo profissional para não responder aos deputados. Todos partidos políticos votaram favoravelmente a suspensão dos trabalhos, com alguns a qualificar a audição de Wilson Bicalho como "uma farsa".
Wilson Bicalho invocou o artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, em que o "advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços", para não responder às questões da comissão. A audição ao mandatário da mãe das crianças, no entanto, já não será retomada hoje.
O presidente da comissão parlamentar de inquérito, Rui Paulo Sousa, disse que o advogado da mãe não fez chegar à comissão o parecer da Ordem dos Advogados que lhe permite levantar o seu direito ao sigilo profissional e que lamentava a atitude de Wilson Bicalho. "Lamento a atitude de Wilson Bicalho atendendo que não teve uma participação correta para comissão, pois não fez chegar o parecer da Ordem dos Advogados a tempo e de maneira que esta comissão pudesse decidir antes sequer de ter começado a audição, ale da falta de respeito com diversos deputados, para com a própria comissão e para com o próprio parlamento, que lamento imenso", disse.
Rui Paulo Sousa pediu que o parecer chegasse à comissão sob risco de ser apresentada uma queixa contra Wilson Bicalho à Ordem dos Advogados e ao Ministério Público, considerando seu "comportamento inaceitável".
A mesa e coordenadores estão reunidos esta tarde para discutir a situação depois de o também deputado do Chega ter suspendido os trabalhos.
Durante a discussão, o coordenador do PSD, António Rodrigues, propôs que a "reunião fosse retirada da ata da comissão". "Estamos a ser confrontados com uma situação que desprestigia a Assembleia da República", salientou, enquanto João Almeida, do CDS, disse que "é uma farsa e não uma audição".
Também o deputado do PS André Rijo corroborou com a suspensão dos trabalhos. "Devemos suspender os trabalhos e redefinir com retomá-los", observou.
Já o líder do Chega, André Ventura, solicitou a suspensão dos trabalhos, mas não a eliminação da ata, reforçando o pedido do parecer à Ordem dos Advogados para que seja possível prosseguir os trabalhos. "Nunca vi nada assim em toda a minha vida que a Ordem [dos Advogados] autorizasse um primeiro depoimento para falar até ao minuto dez e depois não pode falar mais, e se lhe fizerem perguntas", realçou, pedido que o depoimento do mandatário da mãe das gémeas luso-brasileiras chegasse à Ordem dos Advogados.
Também os deputados Alfredo Maia, do PCP, Inês de Sousa Real, do PAN, e Paulo Muacho, do Livre, disseram que Wilson Bicalho deveria entregar o parecer.
Inialmente, o advogado pediu que a audição continuasse à porta fechada, proposta que foi rejeitada pelos partidos. Wilson Bicalho invocou o direito à imagem e ao bom nome para pedir que a reunião continuasse sem a presença da comunicação social e sem transmissão pública. O advogado invocou também o estatuto da Ordem dos Advogados, dizendo ser obrigado ao sigilo profissional. Nenhum dos partidos anuiu e este pedido foi rejeitado por unanimidade.
Comissão suspende trabalhos no mês de agosto
Os trabalhos da comissão de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras vão decorrer até 26 de julho, sendo suspensos durante o mês de agosto, e retomam no dia 10 de setembro, aprovaram os partidos.
A deliberação da interrupção dos trabalhos foi conhecida antes de ser ouvido o advogado da mãe das crianças, Wilson Bicalho.
Em relação à aprovação das audições aos ex-ministros Augusto Santos Silva e Francisca Van Dunem, propostas por IL e Chega, o Grupo Parlamentar do PS pediu o adiamento da votação.
Os partidos políticos também votaram favoravelmente para ouvir os representantes da companhia de seguros brasileira Amil Assistência Médica Internacional LTD à data dos factos a pedido do PSD.
"As deputadas e os deputados do Partido Social Democrata vêm pelo presente requerer a documentação relativa à celebração do contrato de seguro de saúde em causa, a apólice, com eventuais anexos donde conste a data de celebração do seguro, o objeto e a respetiva cobertura e/ou tomadores do seguro e seus beneficiários", lê-se no documento, ao qual a agência Lusa teve acesso. "Requerem, ainda, e caso a empresa não disponha de representação em Portugal, que os dirigentes máximos (nomeadamente o respetivo CEO) sejam ouvidos por videoconferência para obter informações e prestar esclarecimentos sobre o seu interesse e acompanhamento do processo no Brasil e em Portugal", acrescenta o PSD.
Em causa no processo, que tem como arguidos o ex-secretário de Estado da Saúde Lacerda Sales e Nuno Rebelo de Sousa, filho do presidente da República, está o tratamento hospitalar das duas crianças luso-brasileiras que receberam o medicamento Zolgensma. Com um custo de dois milhões de euros por pessoa, este fármaco tem como objetivo controlar a propagação da atrofia muscular espinal, uma doença neurodegenerativa.
O caso está ainda a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República, mas a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde já concluiu que o acesso à consulta de neuropediatria destas crianças foi ilegal.
Também uma auditoria interna do Hospital Santa Maria concluiu que a marcação de uma primeira consulta hospitalar pela Secretaria de Estado da Saúde foi a única exceção ao cumprimento das regras neste caso.