Processo começou em 2009, mas documento entregue por professores já está desatualizado. Agência do Ambiente diz que tem de ser reaberto. Margens estão descaracterizadas.
Ficou guardado na gaveta desde 2009 e não deverá sair de lá. À data, e a pedido do Governo, começaram a ser elaboradas as linhas orientadoras para a elaboração e implementação do Plano de Ordenamento do Estuário do Rio Douro. Entregue meio ano depois, o trabalho feito por professores e especialistas do Porto "perdeu oportunidade", afirma a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), responsável pela implementação do plano.
Agora, será necessário "rever e atualizar" o trabalho já feito e "dar início a um novo processo". Até porque, acrescenta aquela entidade, "os estuários passaram a ser objeto da elaboração de programas especiais", que têm uma "natureza um pouco diferente". A jurisdição do estuário é partilhada entre a APA, a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo e a Capitania do Porto do Douro.
No que toca à posição das autarquias ribeirinhas sobre o tema, a Câmara de Gaia não quis comentar e a Câmara do Porto diz desconhecer na totalidade o plano. O Município de Gondomar não respondeu em tempo útil.
"É muita gente a gerir e dá conflito. "Ordenamento" talvez não tenha sido a palavra mais feliz. Na verdade, o que procuramos é um plano de gestão do estuário. Até porque, atualmente, há imensos desenhos para a mesma área [por exemplo, nas margens]: Plano Diretor Municipal, Reserva Ecológica e Agrícola Nacional, etc.", esclarece Adriano Bordalo e Sá, professor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) e coordenador dos termos de referência para o plano do estuário.
"Não podemos continuar a falar em ambiente sustentável e não implementar as leis criadas pelo Governo e aprovadas pela Assembleia da República. Não só banaliza a figura como não faz sentido nenhum", observa, recordando que se previa a criação de uma agência específica só para gerir o estuário.
margens alteradas
Rui Santos Amaral, capitão do Porto do Douro, garantiu ao JN que não foi contactado para participar na elaboração deste mecanismo de ordenamento e gestão do território.
No que toca às competências de cada uma das entidades no estuário, Santos Amaral considera que "estão claramente atribuídas" e que "não há usurpação sobre quem faz o quê". No entanto, o capitão admite que "um plano de ordenamento é sempre bem-vindo porque vem definir regras sobre o que se pode fazer aqui ou ali".
É precisamente nesse sentido que Nuno Oliveira, presidente da associação Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens (FAPAS), percebe a necessidade da ferramenta.
"Vemos que há uma gestão com muita abertura ao turismo de hotelaria e que está a descaracterizar as margens do Douro", esclarece, vendo a APA como "um monstro", onde ficaram fundidos "demasiados organismos". Por isso, Nuno Oliveira considera que "não é exigível que a APA faça tudo o que tem a fazer porque não é possível".
Bordalo e Sá lamenta que o plano tenha sido "esquecido" e critica o "faroeste" que se vivia no rio, antes da pandemia, com os barcos turísticos a circular a "alta velocidade".
GESTÃO
Controlar caudais e definir construções nas margens
O objetivo principal, clarifica Adriano Bordalo e Sá, seria aumentar o foco "nos caudais e nas barragens hidroelétricas". Isto porque é necessário "ter cuidados nos períodos de maré cheia e maré vaza e não faz sentido descarregar a água". Bordalo e Sá defende a implementação de um processo de gestão dos caudais, quer nos períodos de seca quer nos períodos de chuvas. "Conferia uma melhoria notória no ambiente estuarino", garante o professor do ICBAS. Mas também ao nível das margens, o plano definia um limite, desde o rio, "de 500 metros pela terra dentro". "Podiam existir construções, mas estavam muito condicionadas. O que já está ficava", explica Bordalo e Sá.
O que diz a legislação
Lei da Água
Aprovada a 29 de setembro de 2005, a Lei da Água definiu que os planos de ordenamento dos estuários "visam a proteção das suas águas, leitos e margens e dos ecossistemas que as habitam, assim como a valorização social, económica e ambiental da orla terrestre envolvente". À data, faltava a publicação do regime desses mesmos planos.
Regime dos planos de ordenamento
A 21 de julho de 2008, foi publicado o regime dos planos de ordenamento dos estuários. Esse despacho prevê que a largura da orla estuarina é de 500 metros a contar a partir da margem. No caso da sobreposição com um Plano Diretor Municipal, seriam apenas estabelecidas "as regras de utilização do estuário no que respeita à defesa, valorização e qualidade dos recursos hídricos". No caso das áreas protegidas, o plano seria realizado com o Instituto da Conservação da Natureza.
Despacho obrigou a começar trabalhos
Um despacho de setembro de 2009, pelo ministro do Ambiente, à data Francisco Nunes Correia, ordenou a elaboração do plano e determinou que o prazo de elaboração, incluindo o prazo para a realização da sua avaliação ambiental, era de "18 meses contados da adjudicação dos trabalhos técnicos". Começaram a estabelecer-se os termos de referência, entregues em março de 2010.