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Lei da canábis medicinal faz quatro anos, mas só há um produto para doentes

Há 20 empresas a produzir canábis para fins medicinais em Portugal Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Dois pedidos de autorização para venda nas farmácias estão em avaliação pelo Infarmed há meses.

Quatro anos depois de entrar em vigor a lei que regula a utilização de preparações e de substâncias à base de canábis para fins medicinais, continua a haver apenas um produto à venda nas farmácias: a flor seca. Uma desilusão para os doentes e uma frustração para os partidos que viabilizaram o diploma no Parlamento e hoje pedem mais ação ao Governo e ao Infarmed (ao qual cabe autorizar a comercialização de novos produtos). Enquanto isso, o número de empresas com autorização de cultivo da planta para fins medicinais em Portugal cresce de mês para mês, mas o negócio está focado na exportação.

"Quatro anos e apenas um produto é mesmo muito pouco", resume a presidente do Observatório Português da Canábis Medicinal. Ainda por cima, realça Carla Dias, fruto do trabalho que tem sido feito, "as pessoas e os profissionais de saúde estão cada vez mais conscientes dos benefícios da canábis medicinal, mas, depois, faltam os produtos".

A primeira e única preparação à base de canábis autorizada em Portugal chegou às farmácias em abril de 2021. A flor seca com 18% de THC (tetrahidrocanabinol) da Tilray está indicada para várias patologias, quando os tratamentos de primeira linha não funcionam ou provocam efeitos adversos graves. Porém, há outras doenças, como a epilepsia, que exigem altas concentrações de CBD (canabidiol) e baixas dosagens de THC, que não estão abrangidas e dependem da aprovação de novos produtos.

Dos nove pedidos de autorização de colocação no mercado de preparações à base de canábis que chegaram ao Infarmed, dois estão em avaliação há meses no Infarmed. Um também é flor seca e outro é uma solução oral, um produto da Tilray. A empresa já referiu, ao JN, que está a fazer tudo para que fique acessível aos doentes ainda este ano.

Sem comparticipação

A introdução destas preparações através de autorizações de colocação no mercado (ACM) foi um expediente encontrado pelo Infarmed para simplificar o processo, pois as AIM (autorização de introdução no mercado), atribuídas aos medicamentos, exigem ensaios clínicos prévios para provar a sua eficácia. Mas tal simplificação tem um senão: os produtos com ACM não podem ser comparticipados pelo Estado.

No caso da flor seca da Tilray, o impacto é significativo: cada embalagem de 15 gramas custa 150 euros e há doentes que chegam a precisar de seis por mês. O preço elevado, o facto de não ser uma resposta de primeira linha e as resistências à prescrição de canábis explicam as vendas pouco expressivas: no primeiro ano, foram vendidas cerca de 500 unidades. Enquanto as autorizações dos produtos se arrastam, o negócio do cultivo floresce.

São já 20 as empresas licenciadas, mais duas do que em março. As plantações estão por todo o lado, embora maioritariamente no Alentejo e Algarve. Em 2021, a quantidade de flor exportada atingiu as 30 toneladas, um crescimento de 566% face a 2020.

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Uso de flor seca

Serve para alívio de náuseas e vómitos (resultantes de quimio e radioterapia e terapêuticas para o VIH e hepatite C); estimulação do apetite de doentes oncológicos ou com sida em cuidados paliativos; glaucoma; dor crónica (associada a doença oncológica ou do sistema nervoso); síndrome de la Tourette; espasticidade associada à esclerose múltipla ou lesões da espinal medula. São as situações em que o produto disponível está indicado. Só pode ser vendido com receita.

Aprovado desde 2012

Além do produto da Tilray, está aprovado, desde 2012, o medicamento à base de canábis, com o nome Sativex, disponível em meio hospitalar mediante um pedido de autorização especial.

Inês Schreck