Ponte da Barca

Carlos, guardião do Lourido, continua em alerta para tocar sino a rebate

Carlos Monteiro ajudou a evacuar a aldeia Foto: Rui Manuel Fonseca

O combate ao incêndio que há cinco dias lavra em Ponte da Barca e entrou em força em Terras de Bouro, no distrito de Braga, continua inglório esta quinta-feira, com a Mata de Cabril, reserva integral do Parque Nacional da Peneda-Gerês, ameaçada pelo fogo, e duas aldeias de prevenção, Lourido e Sobreda.

Depois de uma noite longa, com evacuações em seis aldeias e a quase duplicação da área ardida - passou para perto de seis mil hectares -, os meios de combate foram reforçados e atingiram o número máximo desde sábado, quando o fogo começou em Parada, Lindoso. Quase 600 operacionais, apoiados por 186 veículos e nove meios aéreos, foram empenhados para tentarem debelar, de vez, as chamas que deixaram preta a extensa Serra Amarela.

"Temos muitos fatores que não controlamos, mas temos de ter a esperança que, com tudo o que os meios estão a fazer, tenhamos sucesso na missão. Queremos acreditar que hoje será decisivo, porque nesta hora crítica tivemos um reforço substancial de meios terrestres e aéreos", declarou o comandante sub-regional de Emergência e Proteção Civil do Ave, Rui Costa, que coordenou os trabalhos no teatro de operações esta sexta-feira e também na quinta à noite.

Aldeias evacuadas

Carlos Monteiro, proprietário do café Lourido, que ajudou a evacuar a aldeia que dá nome ao seu estabelecimento, continua em alerta para o caso de ter de voltar a tocar o sino a rebate.

"Ontem à noite comecei a receber telefonemas para reunir as pessoas. Quando há alguma coisa mais importante, tenho a chave da capela [de S. Tomé] e toco o sino. É uma forma de chamar e informar que alguma coisa se está a passar", contou, adiantando que "foi difícil reunir porque principalmente os mais velhos não querem deixar as suas casas e animais".

Nem todos responderam à chamada. "Apareceram alguns, outros tivemos de os ir buscar a casa. E outros aperceberam-se que era para evacuar e fugiram, esconderam-se", disse Carlos, que é uma espécie de guardião da população, que faz do seu estabelecimento mercearia, posto de correios e pronto-socorro. Por isso, andou com a GNR a bater de porta em porta. "Confiam em mim e eu tive de lhes dar confiança para sair, embora ache que a evacuação foi um bocado precipitada, porque o incêndio estava muito longe. Mas, pronto, foi mais por causa do fumo", comentou.

"Estive 31 anos na Suíça e nunca vi lá fogo"

De Lourido, foram transportadas cerca de 40 pessoas, já passava da meia-noite: em parte, famílias de emigrantes de férias na terra.

José Dias foi um dos que escapou à evacuação. "Dormi descansado na minha cama até às seis da manhã. O lume estava tão longe, meu Deus. Disse ao GNR que só saía se me dessem um tiro", referiu ao balcão do café Lourido, enquanto bebia um fino.

Fora de casa, dormiram Júlia Corujeira e o marido Aníbal Lobo. Anteciparam a evacuação, avisados por um sobrinho e saíram cerca das 22 horas. "Fui mas não gosto nada. Estou tão bem na minha casa. A gente na nossa casa é rei", comentou Anibal, já de regresso, sentado nas escadas de pedra do seu doce lar, no n.º 18 na Rua do Ou de Cima, em Lourido.

O vizinho de baixo, Manuel Gonçalves, que, sentado nas escadas, tem visto o fogo a reduzir a paisagem da Serra Amarela a carvão, contou que acedeu ser levado "de boa vontade" para a escola de Entre Ambos-os-Rios. "Fui mas não dormi. Havia lá colchões, mas andei sempre para fora e para dentro. Dormi agora um bocado à tarde", disse, confessando já estar "farto de ver fogo" nas serras ao redor do Lourido. "Estive 31 anos na Suíça e nunca vi lá fogo", comentou.

Ana Peixoto Fernandes