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Não comprava uma vivenda luxuosa, um carro topo de gama nem tão pouco ia dar a volta ao mundo. Quando joga no euromilhões, Isabel Duarte fá-lo com um objectivo bem mais nobre ganhar dinheiro para comprar uma quinta onde pudesse colocar e tratar à vontade todos os cães vadios que encontrasse. Enquanto a sorte não lhe bate à porta, esta mulher de 62 anos, ex-telefonista, vale-se da magra reforma e das suas pernas para alimentar e cuidar de rafeiros que outros abandonam na cidade de Chaves: todos os dias anda crca de 14 quilómetros para ir buscar comida e matar a fome aos cerca de 20 animais que acolhe junto à casa onde agora mora.
Para além desse esforço físico, Isabel Duarte usa, todos os meses, mais de 100 euros da sua aposentadoria para pagar ao veterinário a laqueação das cadelas, não vá o diabo tecê-las e ver a família canina a aumentar.
Apesar do seu altruísmo, na cidade o amor de Isabel pelos cães não tem sido bem compreendido, sobretudo pelos vizinhos. No entanto, há quem a ajude, com restos de comida e até com rações a alimentar os animais de que alguém um dia deixou de gostar.
Corropio de espaços
Isabel Duarte começou a dedicar o seu tempo aos cães vadios desde que se reformou. "Antes já gostava, mas não tinha tempo para tratar deles", justifica. E foi um a um que foi enchendo a casa onde morava. Contudo, a localização privilegiada da habitação, numa das praças da cidade mais turísticas, junto à Câmara Municipal de Chaves, acabou por lhe trazer problemas.
Queixando-se do barulho provocado pelo latir dos animais, moradores e comerciantes entregaram à autarquia um abaixo-assinado para exigir a retirada dos canídeos. Sem qualquer saída, Isabel viu-se obrigada a levar dali os cães. Meteu-os numa quinta cedida por pessoas amigas nas imediações da cidade, no lugar de Codeçais.
Mas também ali o sossego foi pouco duradouro. Passado algum tempo, novas queixas dos vizinhos à Câmara, que alegavamperturbações do sono, obrigaram Isabel a muda de novo os cães. Desta vez, para o canil municipal, instalado provisoriamente numa outra quinta.
"É por isso que vou tentando a minha sorte no euromilhões. Se me saísse comprava uma quinta onde ninguém me chateasse", salienta, com ar sonhador.
Agora, Isabel mantém cerca de 20 animais num local a cerca de meia dúzia de quilómetros da cidade, onde, a pé, todos os dias vai buscar comida (restaurantes, Santa Casa). "Às vezes dão-me boleia. As pessoas já me vão conhecendo", conta.
No entanto, apesar de ter contrato, o proprietário do local também já começou a barafustar. "Arrependeu-se logo passados oito dias. E os cães, coitadinhos, só ladram quando chega alguém. Depois calam-se", explica, apontando para uma cadela, que se mostra algo irrequieta.
"Amanhã vou levá-la ao veterinário. Vai ser laqueada", diz, lembrando que "só pode" esterilizar uma pôr mês. "Ou mês sim, mês não, consoante tenho contas para pagar", conclui.