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Portugal não sabe coisas que parecem tão simples quanto a quantidade de mães que amamentam os filhos, durante quanto tempo e a diferença que isso pode fazer para os bebés. Nem tem uma curva portuguesa para medir o crescimento das nossas crianças, restando-lhe comparar com os percentis dos americanos do Colorado. Pormenores que não são despiciendos e que, juntos com muitos outros, poderiam dar, se sistematizados, uma boa dose de explicação sobre o perfil sanitário dos nossos cidadãos.
Traçar esse perfil é apenas um dos muitos objectivos a que se propõe a equipa dirigida pelo director do Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina do Porto, Henrique Barros, que iniciou há cerca de um mês o acompanhamento de recém-nascidos que vão ser seguidos até à idade adulta. O programa - "Geração XXI - Nascer e crescer no início do Milénio" - é tornado público agora para assinalar o Dia Mundial da Criança e pretende angariar num ano uma coorte de dez mil bebés dos 12 mil que nascem anualmente no Grande Porto. Desses, 1500 serão monitorizados a partir dos três meses de gestação. Juntando as famílias dos bebés, a ideia é, no final, ter 70 mil pessoas para estudar.
O projecto é pioneiro no país e inspira-se em experiências europeias, algumas com 50 anos de existência. Uma delas, lançada na Grã-Bretanha de 1946, pretendeu verificar, por exemplo, o impacto da guerra no nascimento e crescimento das crianças. Outra, em 1990, tentou analisar a influência de factores ambientais no desenvolvimento dos seres humanos; e uma terceira, iniciada em 2000 na Holanda, está a avaliar as diferenças de desenvolvimento entre várias etnias num mesmo ambiente.
A experiência do Porto - que junta cinco hospitais do grande Porto (Júlio Dinis, S. João, Sto. António, Gaia e Matosinhos), sendo financiada pelo programa Saúde XXI e pela Administração Regional de Saúde do Norte - deveria ter começado nesse mesmo ano, mas foi sendo atrasada. Arrancou há um mês.
Antes de mais, explica Henrique Barros, pretende-se criar uma "fonte de informação fundamental para planear a saúde, conhecer as causas das doenças da nossa população" e poder definir com base científica "alguns dos principais desafios actuais em saúde", bem como conhecer os estilos de vida no início do terceiro milénio e a influência que eles terão sobre os adultos do futuro.
A frequência de uma creche, a organização familiar, a idade na hora do primeiro passo, a depressão pós-parto e recuperação do peso anterior à gravidez para a mãe, a inter-relação entre genética, ambiente e as escolhas dos pais no início de vida serão todos factores em análise. Permitirão perceber, por exemplo, por que se engorda mais do que antigamente e, por essa via, perceber o risco cardiovascular, uma das maiores causas de morte em Portugal.
"A adesão dos pais tem sido na ordem dos 97%", um valor que Henrique Barros admite que não esperava. "Se isto pára, é por incompetência nossa", acredita o investigador, que dispõe de 700 mil euros para os dois primeiros anos - contra os dez milhões anuais do projecto britânico iniciado em 1990. Nada que impeça de sonhar o futuro enraizar de tal forma o programa que será possível fazê-lo seguir com os filhos dos dez mil recém-nascidos de 2005. E isto sem deixar de fora quem nasça no sistema privado (5% do total), porque acabam por aparecer no serviço público por ocasião da vacinação.