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para o "banqueiro do povo"
Há 32 anos, Muhammad Yunus aplicou uma ideia, chamada de microcrédito, que surpreendeu o Mundo. Tão radical que foi olhada com troça e adequada indiferença por quem apenas se preocupa em praticar a usura para enriquecer. Emprestou 27 dólares a 43 mulheres que queriam criar uma oficina de artesanato, sem exigir contrapartidas. As mulheres devolveram-lhe o dinheiro e ele, dois anos depois, em 1976, criou o Banco Grameen (que obteve estatuto bancário em 1983) para gerar riqueza entre os mais pobres.
Ontem, pelos resultados da sua ideia, obteve o Prémio Nobel (não, não foi o da Economia...) da Paz. "Estou encantado", afirmou, na sua casa em Daca (Bangladesh), onde admitiu que doará os 1,1 milhões de euros do prémio.
"A paz duradoura não pode ser atingida se não for aberto um caminho para que uma ampla parte da população saia da pobreza", afirmou o presidente do Comité Nobel, em Estocolmo, explicando as razões que levaram aquela prestigiada instituição a escolher Muhammad Yunus e o seu banco (Grameen Bank) entre 191 candidatos. "O microcrédito é um desses caminhos", acrescentou Ole Danbolt Mjoes.
A missão de Yunus, que na sua origem parecia impossível - criar riqueza emprestando aos pobres meia dúzia de dólares -, "converteu-se", segundo Ole Danbolt Mjoes, "num importante instrumento de luta contra a pobreza".
Por causa da concretização desse notável objectivo, a Comissão Nobel diz que premeia Mohammad Yunus pelos "seus esforços em criar desenvolvimento económico e social". Mohammad Yunus que Ole Danbolt Mjoes classifica como sendo "um líder que conseguiu transformar os sonhos em acções concretas para benefício de mil milhões de pessoas e não apenas no Bangladesh".
Yunus e o Banco Grameen, acrescenta a Comissão Nobel, em comunicado, "demonstraram que mesmo os mais pobres dos pobres podem trabalhar para criar o seu próprio desenvolvimento". E os mais pobres entre os pobres, admitiu aquele famoso economista, são as mulheres (receberam 95% dos empréstimos). Ao apoiar "essa metade feminina da Humanidade", considerou Ole Danbolt Mjoes, Yunus e o Banco Grameen provaram que o microcrédito é "uma força importante e libertadora".
Apesar do coro de elogios à atribuição do prémio, houve quem, como Lech Walesa, se mostrasse surpreendido com a distinção de um banqueiro. "Deviam ter-lhe atribuído o Prémio Nobel da Economia, pela sua ideia económica original, já que o Nobel da Paz tem premiado a luta contra os ditadores e contra o desrespeito dos Direitos do Homem", afirmou o Prémio Nobel da Paz de 1983.
"Superei os meus objectivos e tenho um café maior"
Em oito anos, a Associação Nacional de Direito ao Crédito (ANDC) ajudou a criar 630 pequenas empresas, que entretanto se expandiram e hoje empregam aproximadamente 700 pessoas. E todos os anos, refere a directora Adelaide Ruano, mais portugueses apresentam projectos, com o sonho de se tornarem micro-empresários. Só em 2005, revela a ANDC, o número de empréstimos de microcrédito aumentou 142%, face a 2004. Ou seja, no ano passado foi concedido um total de 693,73 mil euros em crédito. "Até agora", garante a directora, "podemos dizer que 80% dos casos recebidos na associação tiveram sucesso".
O microcrédito - cujos valores facultados se situam entre os 500 e os 5 mil euros - foi criado com o intuito de ajudar os desempregados, ou os socialmente desfavorecidos, a terem acesso ao crédito bancário, explica Adelaide Ruano. "Destina-se àqueles que queiram criar o seu próprio emprego ou um pequeno negócio", como um café, um bar, ou uma pequena empresa familiar de prestação de serviços, como limpeza ou costura. Mas, alerta, desde que não tenham "incidentes" bancários. Os passos seguintes, descreve, são muito rápidos "Apresentam-nos a ideia do negócio, nós ajudámos a organizar o projecto, uma comissão de crédito analisa-o posteriormente, e se o projecto for aprovado a associação apresenta-o junto das instituições que trabalham connosco". O BES, a CGD e o BCP. Sendo certo, diz, que durante três anos a ANDC acompanha de perto o desenvolvimento do negócio, auxiliando "sempre que for necessário o candidato". IF
Francelina Santos
Proprietária do Café Pingalim
Aos 49 anos, Francelina Pereira Santos olha triunfante para o café e restaurante "Pingalim", ali em Campo de Ourique, Lisboa. "Comecei por ser empregada, depois montei um café pequenino e a seguir criei este, muito maior. Acho que consegui superar todos os meus objectivos". Mas não foi fácil, comenta exausta esta angolana, que já passou as passas do Algarve em Lisboa. "Por um lado, precisava de ganhar dinheiro para sustentar a minha família; por outro, ter um café era um sonho antigo".
Um dia, ao folhear uma revista, deparou com uma reportagem sobre casos de sucesso de micro-empresários em Portugal, impulsionados com a ajuda do micro-crédito "Na mesma hora em que li o artigo, corri a inscrever-me". O sonho ganhou pernas para andar, tendo como base cinco mil euros, e acabou por se desenvolver naturalmente. O trabalho, porém, avolumou-se como nunca: "É preciso ter muita coragem para nos metermos numa coisa assim", avisa. "Agora trabalho das oito da manhã, às duas da manhã". O que "não acontecia quando era empregada", recorda. Talvez por isso, suspira, é que muitas vezes lhe perpassa um desânimo repentino pela cabeça: "A vida está muito difícil, é preciso batalhar imenso", diz, sem entender se a desilusão repentina terá a ver com uma sexta-feira 13. "É arriscado metermo-nos num projecto destes, mas é preciso tentar". IF
"Estou satisfeita por ter tanto trabalho para fazer"
Rosa Alves
Costureira por conta própria
Quando a fábrica de confecções onde trabalhava, em Braga, encerrou, levando a um despedimento colectivo, Rosa Alves, de 46 anos, desabou. "Fiquei no desemprego, sem saber o que fazer", recorda.
Até que o desespero a levou a fazer uns trabalhos de costura para fora "Conhecimentos de costura eu tinha, só que a máquina era muito fraquinha e não dava vazão ao trabalho".
Lembrou-se, então, de pedir ajuda no Centro de Emprego local , com a ideia de criar uma pequena empresa. "Impossível", afirma. "Para me ajudarem exigiam que eu tivesse um espaço para começar e eu não tinha condições financeiras para isso".
De novo desanimada, Rosa Alves voltou aos pequenos trabalhos domésticos. Acabou por ser "salva" pelo micro-crédito "Foi tudo muito rápido", comenta. "Consegui que me emprestassem 2500 euros, dinheiro que investi em três máquinas modernas de costura, que coloquei aqui em casa", em Maximinos.
Actualmente, diz satisfeita, não tem mãos a medir para tanto trabalho "Tenho encomendas de lojas, de particulares e até de marcas conhecidas". O que significa, confessa, que quem não arrisca, não petisca: "O micro-crédito ajudou-me a dar a volta. Sei que todos os meses tenho de pagar uma prestação, mas compensa. Como os juros são menores, a prestação também mais suave". IF
Um negócio que não busca o lucro
Brasileiros, logo a seguir a portugueses, mas também ucranianos, russos, filipinos, moldavos, paquistaneses, lituanos, guineenses, angolanos, cabo-verdianos, moçambicanos, indianos, cubanos e até italianos. Desde Novembro do ano passado, altura em que nasceu, o Millennium bcp microcrédito aprovou 169 projectos que criaram 299 postos de trabalho (o valor médio dos créditos é de 11.516 euros por projecto).
Para o banco liderado por Paulo Teixeira Pinto - que apoia iniciativa semelhantes também em Moçambique -, objectivo passa por tornar o negócio sem lucro mas "auto-sustentável". "O que fazemos é responsabilidade social, mas vamos seguramente atingir um ponto de equilíbrio", disse ao JN fonte da instituição. O mercado potencial deste negócio (desempregados, micro- empresas familiares, emigrantes e reformados) não é fácil, mas a mesma fonte acredita que os níveis de incumprimento dos compromissos assumidos não travarão a sua expansão. "Até agora apoiámos projectos cujas ideias nos pareceram sustentáveis, de modo a ajudar as pessoas a dar um pontapé na pobreza e na exclusão social".
A maioria dos 169 projectos aprovados foi apresentada por pessoas que estavam na altura desempregadas (73), mas também por empregados (51), trabalhadores por conta de outrem e reformados. Há mais mulheres (52 por cento) do que homens (48 por cento) a recorrer a esta forma de transformar uma ideia num negócio. O máximo de crédito a conceder a cada projecto é de 15 mil euros, sendo que o prazo é de quatro anos no máximo, com um período de carência (pagamento só dos juros do empréstimo) que pode ir até seis meses.
Como parceiros neste projecto, o Millennium bcp tem a Caritas, que actua no primeiro contacto com os eventuais interessados, primeira avalização de viabilidade da ideia e, posteriormente, encaminha até ao gestor da agência do banco.
Um outro parceiro é a Fundação Calouste Gulbenkian, que concede ajuda financeira no âmbito do serviço de formação em conceitos básicos de gestão do negócio, assegurado por universidades e institutos politécnicos. O Millennium bcp microcrédito detém uma rede constituída por três agências, localizadas em Lisboa, Porto e Braga.