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É o rosto feminino do Congresso de Medicina Popular de Vilar de Perdizes. Quase tão mediática como o padre Fontes, a mais velha e mais conhecedora dos efeitos medicinais das ervas que deram fama a esta localidade do concelho de Montalegre dá pelo nome de Ana Martins.
Mas, na verdade, todos a tratam por Pitinha. "Todos me conhecem por Pitinha e mais nada. Alguns vêm cá com dona... dona... Mas eu digo logo: Dona, não senhor! Dona, dona? Dona de quê? Se eu sou uma analfabeta que não sabe uma letra...", esclarece, com garra, esta mulher de 87 anos, enquanto, com a ajuda de uma tesoura da poda, vai "pitando" ervas de anis para uma bacia.
"Aqui chamamos-lhe anis, mas, por aí fora, chamam-lhe funcho. É bom para as vias urinárias, para o fígado...", acrescenta Pitinha, continuando o seu trabalho. É ali, no rés-do-chão da casa onde mora com uma filha, que guarda, em várias caixas de cartão, todas as ervas que colhe na horta e, depois de secas, cortadas e embaladas, vende no congresso, em Setembro, e no café da filha, que fica por cima, durante todo o ano. É a sua pequena fábrica...
Afinal, como aprendeu Ana Martins a distinguir e a conhecer os efeitos medicinais das ervas que, espontaneamente, cresciam pelos montes de Vilar? Por "necessidade", garante. "Quando tinha seis ou sete anos, era obrigada a correr as portas dos vizinhos a perguntar o que era bom para os males da minha mãezinha, que era muito doente. Foi assim que fui aprendendo", conta.
No entanto, tem consciência de que não conhece ervas para todos as dores. "No outro dia, a arrancar uma erva dos cabaços, cravou-se-me uma dor aqui nas costas... Não há maneira de se me ir e nem sei o que (que chá) hei-de tomar", lamenta Pitinha. À farmácia só recorre para comprar "umas gotinhas para os olhos", por causa das operações que fez às cataratas . "De resto, se me dói a cabeça, tomo chá de cidreira; se me dói a barriga, faço um chá de limonete..." , explica, sem parar de "pitar" o anis.
Conhecendo-lhe a facilidade de comunicação - o que lhe garante lugar em praticamente todas as reportagens sobre o congresso - o padre Fontes tem tentado levar Pitinha à televisão, para, anualmente, promover o congresso. Mas nunca o conseguiu: "Ele bem teima comigo para ir, mas não há maneira... Eu não gosto de comer com senhoritos. Não sei comer como eles, digo-lhe. Mas ele não me deixa sem resposta: Pega-lhe à unha, como eu...". Por isso, para ver a Pitinha só mesmo em Vilar de Perdizes.
Memórias
Febre fê-la perder filho
Quando tomou os primeiros comprimidos, já tinha 25 anos. Foram-lhe receitados por causa da febre do tifo, muito vulgar na época. É uma das piores recordações da sua vida: por causa da doença, perdeu o filho que carregava na barriga. Agora, para "acudir" a qualquer dor, Pitinha socorre-se apenas de chás.
Senhora dos Milagros
Devota de chás e responsos, não dispensa também a bênção dos santos. A santa da predilecção é a Senhora dos Milagros, festejada em Setembro, na cidade galega de Ourense. Há anos, num momento de "aflição", prometeu ir à romaria e dar uma esmola enquanto pudesse. Agora, que as forças são cada vez menos, deixou de o fazer.
Agora mais parece uma feira
Para Pitinha, o Congresso de Medicina Popular já não é o que era. Expositora desde as primeiras edições, preferia quando as ervas apenas se mostravam, em vez de serem vendidas. "Naquela altura, não havia tanta confusão. Era pouquinha gente. Agora, aquilo mais parece uma feira do que outra coisa", lamenta.
Quando tinha apenas 16 anos, Pitinha passou 23 dias na cadeia. Tudo porque foi apanhada, na raia espanhola, pelos guardas-fiscais, com um saco de batatas, vindas de Espanha. Como não quis pagar a multa pelo contrabando, que na altura era de cerca de 250 escudos, pagou com a liberdade.