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José Carlos Maximino
AComissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Estarreja avaliou, ontem, pela primeira vez, a situação de um rapaz 14 anos, de Avanca, que foi criado e tem vivido, desde a morte da mãe, há oito anos, com o pai, um ex-militar da GNR com problemas graves de alcoolismo, num quadro de miséria marcado por episódios de alegada violência, negligência e abandono. A situação degradante em que vivem, confirmada pela própria GNR, é por de mais conhecida na localidade.
Apesar do jovem estar a beneficiar de algum apoio sócio-económico da escola e do centro paroquial, e da GNR ter remetido para Tribunal, em 2002, dois autos de notícia, dando conta de relatos de actos de "violência e maus tratos", por parte de "um pai supostamente alcoólico", a CPCJ apenas tomou conhecimento oficial do caso na sexta-feira. Graças a um novo auto de notícia que a GNR enviou na véspera para o Ministério Público (MP), disse ao JN fonte da Comissão.
Mas foi preciso uma carta-denúncia, que o sacristão da paróquia dirigiu a vários jornais, com um apelo veemente, para que o processo acelerasse. " Peço que actuem enquanto há tempo. Pode existir uma morte. Alguém tem de pôr mão a isto. A criança está por conta própria. Votada ao abandono. E o pai está doente. É alcoólico. Precisam de ajuda!", reclama Armando Pinto. "Como é possível que ninguém tenha feito nada por esta criança ao longo destes anos todos?", questiona. E reproduz relatos de vários episódios de "violência, maus tratos e abandono", que o JN também ouviu a alguns vizinhos que, tendo denunciado o caso ao longo dos anos, dizem estar "fartos de ninguém fazer nada" e preferem o anonimato. Há cerca de um ano, o pai terá chegado a ameaçar de morte a criança com uma espingarda. Actualmente, o jovem não está a viver com o pai. "Está com uma madrinha", diz a CPCJ. Mas a informação não condiz com a versão de alguns vizinhos. "Zangou-se com o pai e anda por aí?", dizem.
Não foi possível ouvir o MP sobre este caso.
Quadro de miséria e de fome
Pai e filho vivem numa pequena casa sem condições de conforto e higiene. As paredes, com o tijolo à vista, denunciam que a construção foi abandonada há um bom par de anos. Ao nível do rés-do-chão, não há portas nem janelas. De acordo com os vizinhos, "o que vale ao miúdo é comer na escola". Quando está com o pai - ultimamente o jovem tem estado com uma madrinha - dormem, ambos, sem qualquer conforto, num sótão com pouco mais de um metro de altura. Ao lado da casa, aquilo que era para ser a fossa céptica, nunca passou de um buraco no chão, a céu aberto e, por isso, perigoso. A alguma distância, os dois cães acorrentados , na sua magreza extrema ( "pele e osso"), denunciam que comida é coisa que não abunda por ali, completando um quadro chocante de miséria e de fome.