Durante vinte dias o "ano velho" foi velado no Mercado de Riba de Ave, em Famalicão, por todos aqueles que quiseram depositar na sua urna um pensamento, uma memória, um desejo ou uma reflexão que será sepultado juntamente com 2021.
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Um funeral (ficcionado) que acontecerá nas últimas horas do ano e terá direito a testamento numa associação entre uma tradição local e o trabalho artístico do Teatro da Didascália no âmbito do projeto "Paisagem Efémera - industrial e urbana".
O projeto da companhia partiu da tradição antiga "Enterro do Velho" que a vila ribadavense recuperou recentemente.
A partir daí o coletivo de artistas, construiu uma "capela mortuária" no mercado da localidade, onde o caixão de 2021 esteve em câmara ardente. A instalação audiovisual "Aqui jaz 2021" desenvolvida pelo Teatro da Didascália quis recolher os pensamentos sobre o ano que agora termina, e os desejos do que aí vem. Foram sendo depositados na urna.
"Seja um ano mais livre em relação ao convívio", "Impossibilidade de abraçar os meus avós", "Aqui jaz a estátua da mulher sem nome e sem lugar" foram algumas das ideias deixadas pelas pessoas que por ali foram passando.
Terminada a "câmara ardente" vai agora escrever o testamento de 2021. Será lido no "Enterro do Velho".
Cortejo fúnebre do ano velho
Na noite do dia 31, é realizado o cortejo fúnebre do ano velho, desde a igreja de Riba de Ave até à ponte sobre o Rio Ave, junto ao mercado. Aí vai ser lido o testamento.
"Este projeto serve, também, de reflexão de dois anos de trabalho no território com o projeto Paisagem Efémera - industrial e urbana", diz Bruno Martins, diretor artístico do Teatro da Didascália.
Durante dois anos, o grupo desenvolveu o projeto "Paisagem Efémera" criando dramaturgias e performances sobre os territórios, primeiro em Joane, e depois em Riba de Ave.
"Teve uma vida hesitante porque não conseguimos fazer tudo o que queríamos por causa da covid-19", diz. Contudo, este ano foi possível apresentar três momentos performativos sobre a vila ribadavense: sobre a primeira têxtil da região, no antigo quartel de bombeiros no centro da freguesia, e agora no mercado.
"Foi bastante curioso perceber a receção das pessoas a estes trabalhos. O público estava interessado e curioso por aquilo que nós, "estrangeiros", tínhamos a dizer sobre uma vila que as pessoas de cá conhecem muito bem, e como é que com outros olhos olhávamos para estes espaços, primeiro na fábrica, depois no quartel e agora no mercado", adianta Bruno Martins.
Para a companhia o Paisagem Efémera - industrial e urbana comprova que a arte pode ser feita fora dos lugares convencionais que são as casas de espetáculos. "Obrigatoriamente no futuro vamos ter de pensar que em zonas que não têm tanto publico habituado a frequentar projetos artísticos, que arte deve cruzar se no quotidiano das pessoas para muscular interesse no trabalho artístico", afirma.
Com o Paisagem Efémera que agora termina, o Teatro da Didascália dedicou se em 2020, à paisagem rural e natural de Joane, e partiu depois para Riba de Ave virando a sua atenção para o contexto industrial e urbano.