O ano vai terminar com alguns dos processos mais quentes da democracia portuguesa dos últimos 40 anos. Não só um ex-primeiro ministro foi preso como o caso dos "vistos dourados" colocou em prisão preventiva altos responsáveis do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras e do próprio gabinete da ministra da Justiça. Em simultâneo, o dossier BPN não desata mas vem aí uma vaga de mega-processos BES que vão entupir os tribunais por muitos anos (décadas?).
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Que ano! Só a magnitude destes exemplos permite passar para segundo plano a forma como Duarte Lima foi condenado a 10 anos de prisão. Há também desenvolvimentos sobre o caso "Sucateiro Godinho" - que pode colocar atrás das grades Armando Vara ou algum membro da família Penedos.
Algo se move na Justiça, dir-se-á. Muito devagar, é certo mas, ainda assim, com alguns resultados. O problema maior está, no entanto, na dificuldade em articular um sistema judicial esclerosado com uma conflitualidade litigante cada vez maior. E quando se olha para para o que se passou com o caso do software informático Citius, não se acredita: uma reforma administrativa planeada com anos de avanço redunda num falhanço absoluto e histórico por impreparação.
2014 termina com este balanço negro: o que se ganhou em mediatismo de casos-bomba foi proporcional ao que se perdeu em imagem de eficácia. O Governo não se pode orgulhar de grandes conquistas por mais que descanse à sombra do imenso caso Sócrates.
[perguntas]
[1] O ano judicial fica marcado por que facto?
[2] Qualquer que seja o novo Governo pós-eleições de 2015, deveria haver previamente uma revisão constitucional?
[respostas]
Agostinho Guedes, professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] A detenção de José Sócrates.
[2] Não me parece possível. Parece-me que algumas decisões do TC não estão relacionadas com a Constituição (seriam as mesmas com qualquer Constituição) mas seria desejável uma reflexão sobre o futuro do país.
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto
[1] A justiça devia seguir, todos os anos e cada vez mais, um processo constante de defesa intransigente das liberdades, direitos e garantias. Para isso, no essencial, existe sistema judiciário. Não estou seguro que tenha sido assim.
[2] A Constituição é o bode expiatório de uma política autoritária e incompetente. Não se sabe ao certo quem a quer rever e em quê. Os que falam de "sanções jurídicas" ao Tribunal Constitucional se decide em seu desfavor ?
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] Não sou capaz de avaliar um ano judicial através de "marcas". A Justiça deve ser ao longo de todo o ano cega, universal, rápida, competente, discreta, eficaz e percebida pelo Povo, que deve dela poder dispor amplamente, seja rico ou pobre e mais ou menos instruído. Não creio que, nesta perspetiva, 2014 tenha sido melhor ou pior do que outros anos.
[2] Não se deve rever a CRP na sequência de cada acto eleitoral. Quem assumir tal opção deve claramente explicar ao que quer ir e porquê.
Manuel Sousa, presidente da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] A reforma do mapa judiciário é o facto que marca este ano. Uma reforma mal-pensada e ainda pior colocada em prática como se pôde verificar com o colapso dos sistemas informáticos, cujas consequências demorarão, no mínimo, cerca de 24 meses a recuperar. Mas uma reforma que sob a capa da especialização afastou ainda mais as pessoas da justiça, cada vez mais um bem ao serviço e ao alcance de cada vez menos cidadãos. Muitos dos aspetos negativos serão visíveis de forma mais acentuada em 2015, podendo até piorar caso não sejam admitidos no imediato 600 a 700 funcionários e mais 500 até ao primeiro trimestre de 2016.
[2] A única revisão constitucional que se impunha seria aquela que obrigasse os governos a cumprirem o programa que apresentam aos eleitores.
Luísa Neto, jurista e professora associada da Fac. Direito da Universidade do Porto
[1] A par das dificuldades informáticas, é naturalmente impressiva a (infelizmente) mediatizada detenção de ex governantes.
[2] As (muito) pontuais vantagens de revisão constitucional nada interferem com a área da justiça.
José Costa Pinto, advogado e presidente da Associação Nacional dos Jovens Advogados Portugueses
[1] Pelo impacto efetivo que tem e terá na vida dos cidadãos, destinatários do Sistema de Justiça, mas também pelas falhas clamorosas na sua implementação, a entrada em vigor do novo "mapa judiciário", em 01 de setembro de 2014, foi o facto mais marcante do ano 2014.
[2] Trata-se de um tema mais político do que jurídico. O importante é que qualquer processo de revisão constitucional mereça sempre o maior consenso possível.
Maria Manuela Silva, diretora do departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] Entendo que este ano, que agora termina, foi profícuo em despoletar casos de grande envergadura, mediáticos e todos eles marcantes a nível nacional. A justiça tem que ser célere e eficaz para que o país fique devidamente esclarecido.
[2] Como já anteriormente referi, a Constituição admite a sua própria revisão, precisamente para que se possa ir adaptando à realidade. No entanto, não me parece que neste momento essa revisão seja imprescindível e vá solucionar os problemas do país.