Mês após mês o Governo afunda-se em notas negativas. Apesar da nota 12 na Saúde, a Economia não sai dos 9 valores e a Educação já vai na nota 8. Razões? Basta ler esta edição para se compreender até que ponto este Executivo destrói a sua reputação. Os ziguezagues na questão da co-adopção são exemplares para demonstrar como Pedro Passos Coelho (e Paulo Portas) manipulam valores da sociedade como utensílios de farsa política. Independentemente das pessoas, instituições ou grupos sociais que venham a atingir, tudo pode ser jogado ou posto em cheque. Uma lei no Parlamento aprovada e depois jogada para referendo? Nunca antes visto. Mas... porque não?
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Entretanto, vem aí legislação para reforçar o segredo de justiça que colocará ainda mais facilmente os jornalistas sobre escuta. Sempre pelas melhores razões, claro...
[perguntas]
[1] Um referendo sobre a coadoção de crianças por parte de casais homossexuais é legítimo? E devia fazer-se?
[2] Os jornalistas devem ser alvo de escutas para se investigar eficazmente as violações do segredo de justiça?
[respostas]
[1] A proposta da JSD é extemporânea e parece justificar-se por razões que não elevam a política e nada têm a ver com questões jurídicas. Porém, considero ser uma questão de relevante interesse nacional e, como tal, referendável.
[2] Os jornalistas são passíveis de escutas como qualquer cidadão, nos limites da lei. A conciliação da liberdade de imprensa com o segredo de justiça só pode ser feita casuisticamente por um juiz num caso concreto, nunca genericamente.
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto
[1] O referendo ora proposto demonstra que os deputados do PSD não exercem a sua função livremente em matérias de consciência. Obedecem a quem manda no partido. A consulta em causa não faz nenhum sentido.
[2] Escutar os jornalistas é a mesma coisa que lhe destruir as fontes. O crime não justifica uma invasão de tal ordem. Nem o crime nem a sua insignificância penal. A proposta da auditoria da Procuradoria-Geral nem será sequer ponderada. É para arquivar.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] Este simulacro de referendo distrai as atenções da reforçada austeridade para 2014, terror dos mais frágeis - os velhos e os doentes. É prova de que existem partidos que não têm respeito pela liberdade de consciência dos deputados.
[2] A liberdade de imprensa deve prevalecer sobre o risco de eventual quebra do segredo de justiça. Os jornalistas não conduzem a investigação criminal nem guardam processos em casa. Arrepio-me por voltar a ouvir falar de escutas a jornalistas.
Agostinho Guedes, professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] Legítimo é, porque não viola a Constituição (art. 115º). Se deve ou não fazer-se é uma decisão política e não jurídica. Em todo o caso, o Tribunal Constitucional terá de ser chamado a pronunciar-se preventivamente sobre a constitucionalidade do referendo (art. 115º, nº 8), e nos tempos que correm qualquer resultado é possível.
[2] Quem viola o segredo de justiça não são os jornalistas. Se a ideia é fazer escutas a quem viola o segredo de justiça, então façam-nas a quem tem de garantir o segredo: os magistrados do Ministério Público. Agora a sério: há muitas formas de detetar fugas de informação, basta querer usá-las, sem perder de vista que, em último termo, o responsável pela violação do segredo de justiça é quem conduz o processo, com culpa ou sem ela.
Manuel Sousa, presidente da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] A consulta dos eleitores é sempre legítima e em muitos casos desejável. pena é que só se recorra a ela em casos muitos específicos e de duvidosa importância ou relevância como parece ser o caso, em que os deputados deveriam ter assumido as suas obrigações. O que não fizeram!
[2] Não como alvo genérico. A liberdade de informação deve ser preservada como vital na consolidação da democracia e como tal do próprio poder judicial.
Luísa Neto, jurista e professora associada da Fac. Direito da Universidade do Porto
[1] Não devia realizar-se agora. É falaciosa a ideia de quem um instrumento de democracia semi-directa como o referendo tem por si mais legitimidade do que a democracia representativa. Aguardemos pela posição do TC e do PR.
[2] A protecção da informação releva para a cidadania activa, mas mesmo sem escutas, os direitos dos jornalistas - e de outros profissionais - podem ser restringidos em caso de colisão com o interesse constitucionalmente protegido da realização da justiça.
Maria Manuela Silva, diretora do Departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] O referendo é uma forma de consulta da vontade popular que é importante em regime democrático, pode é questionar-se se está em causa uma questão de relevante interesse nacional.
[2] As escutas podem colocar em causa direitos pessoais fundamentais como o direito à reserva da intimidade da vida privada, que só podem ser restringidos por lei e dentro do necessário para salvaguardar outros igualmente fundamentais, pelo que só nessas condições parece tal ser viável.