A grande questão que muita gente coloca é: por que não está ainda ninguém preso no caso BES? Compreender o Direito é bem diferente do que fazer contas simples sobre factos e consequências.
Corpo do artigo
Para o Ministério Público, que trata das causas do bem comum e procura provas antes de fazer acusações, o BES é certamente complexo - tão complexo que teme arriscar detenções antes de ter certezas.
Já no caso dos vistos "gold" as coisas são mais simples. É, alegadamente, tráfico de influências e corrupção como habitualmente se faz, detectável por escutas telefónicas e eventuais transferências bancárias (sem off-shores...). Atos, no entanto, praticados por uma cúpula de funcionários de alto nível que colocavam as nossas fronteiras, afinal, à mercê de gente permeável a subornos.
No BES estamos a falar de crime de alta gama, onde desaparecem quase seis mil milhões de euros em Angola e ninguém tem ideia para onde foram - como se fosse possível... - ou ainda um esquema de financiamento fraudulento de mais de três mil milhões de euros sacados aos clientes do banco como se fosse apenas ganância de tanta gente ao mesmo tempo. Já para não se falar de um aumento de capital de mil milhões atirado em um mês para o lixo. Coisas difíceis para a Justiça comprovar - é o que se supõe.
E agora? A prisão devolve os prejuízos ou a honra ao país? Em certo sentido parece ter-se perdido o medo à detenção e aos tribunais. Na grande e na pequena criminalidade instalou-se a ideia de que o crime compensa.
[perguntas]
[1] Vender vistos de residência em troca de investimentos elevados é, em tese, uma prática que respeita os valores fundamentais da Constituição portuguesa e da cidadania europeia?
[2] Compreende-se que não haja um único detido depois de tudo o que já se sabe sobre o caso BES?
[respostas]
Agostinho Guedes, professor da faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] Não me parece que a atribuição de vistos em troca de investimento em Portugal viole regras constitucionais e europeias; outros países europeus também o fazem, ainda que aplicando outros critérios.
[2] Temos de separar os relatos dos media daquilo que são os factos reais, e destes ainda sabemos pouco. Em todo o caso, a lentidão com que tudo é feito é enervante e contribui decisivamente para que as pessoas percam a confiança na Justiça. O que anda o Ministério Público a fazer?
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto
[1] Os vistos "gold" são um dos sinais dos tempos. Sem princípios e sem valores. O único valor reconhecido é o dinheiro. Sem ética e moral. É a política vigente. Dá nisto.
[2] A prisão preventiva é uma medida de coação. Só deve ser aplicada ante crimes graves e com pressupostos definidos na lei. Não é uma pena. Por mais que se saiba do caso BES, não se sabe os intestinos do processo. Que crimes estão configurados e em que circunstâncias foram praticados. É assim no Estado de direito.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] A temática dos vistos dourados é um daqueles assuntos que me incomoda física e moralmente. Mas sou forçado a reconhecer que nesta Europa em que os valores se vergam à força do dinheiro terá de haver, também no nosso país, quem seja capaz de a abordar com pragmatismo.
[2] Não consigo responder em consciência a esta questão. Na minha ótica, até hoje, no caso BES, tem sobrado folclore e faltado substância. Lamento os pequenos aforradores e pequenas empresas vítimas deste caso.
Luísa Neto, jurista e professora associada da Fac. Direito da Universidade do Porto
[1] Ainda que seja matéria de exclusiva competência nacional, mecanismos como os vistos "gold" - ou o passaporte dourado (Malta) ou a lei do empreendedorismo (Espanha) - criam um verdadeiro mercado da cidadania e da mobilidade em detrimento de critérios de conexão efetiva, o que tem relevância no contexto da circulação no Espaço Schengen e que pode contrariar a Convenção Europeia da Nacionalidade, o dever de cooperação leal previsto no direito da União Europeia e o princípio da nacionalidade efetiva/genuína tal como já foi densificado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
[2] O juízo sobre a necessidade das medidas de coação cabe exclusivamente aos magistrados titulares da investigação, recordando no entanto que a privação de liberdade sempre há de ser exceção.
José Costa Pinto, advogado e presidente da Associação Nacional dos Jovens Advogados Portugueses
[1] O mediatismo recente dos chamados vistos "gold", pelas razões erradas, não pode limitar a nossa visão sobre este tema. Não podemos esquecer as externalidades positivas decorrentes destes procedimentos que tratam na verdade de "vistos de investimento".
[2] O "tempo" da justiça não é o "tempo" dos media. O importante não é ter justiça "à pressa" para satisfazer a opinião pública, mas sim ter uma justiça célere, competente, eficaz, que atue nos termos da Constituição e a Lei.
Manuel Sousa, presidente da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] A atribuição de vistos "gold" a troco de investimentos só é repugnante quando, no caso português, serviu para fomentar corrupção ao mais alto nível da administração pública, em áreas tão sensíveis como a Segurança Interna e a Justiça, criando mais presos por corrupção do que postos de trabalho.
[2] Para a opinião pública é estranho que raramente haja detidos, quando envolvem grandes figuras da política ou da economia nacionais, contrariamente ao que acontece com o cidadão comum.
Maria Manuel Silva, diretora do departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] Não considero que estejamos a vender, mas sim a conceder. Dada a necessidade de investimento, face à crise económico-financeira, a medida pode ser um meio interessante para o fim a alcançar desde que se sigam os procedimentos legais.
[2] Cabe às autoridades a aplicação das medidas adequadas, as informações veiculadas pelos meios de comunicação não podem ser o fundamento para aplicação de medidas, sejam de detenção ou não.