É assim desde há muito tempo e poderia haver uma compilação de jurisprudência de pacotilha sobre os dois assuntos: sexualidade e pedofilia.
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Sobre o primeiro: a decisão do Supremo Tribunal Administrativo de querer "poupar" 60 mil euros a uma seguradora, penalizando uma paciente, é uma decisão digna de um agrupamento tribal dirigido por machos esclerosados. A paciente fica incontinente aos 49 anos e sem capacidade para manter relações sexuais satisfatórias. Quase 15 anos depois o assunto fica resolvido no Supremo com uma diminuição da indemnização em 60 mil euros. Motivo: a sexualidade aos 50 já não conta muito. Ora, com juízes assim não estamos tão longe assim do Exército Islâmico de Libertação. Uma palavra, também, para a seguradora que fez o processo arrastar-se 15 anos: fez juz à imbecil fama das companhias de seguros.
Já sobre o acesso à base de dados de pedófilos da área de residência por qualquer família com menores de 16 anos, a ministra da Justiça parece disposta a defender uma causa demagógica e mediática para desviar as atenções da profunda vergonha de um país jurídico totalmente parado por causa do software Citius. Os membros deste Barómetro demolem ambos os factos que colocamos em questão esta semana. Mas reconheçamos: a Justiça portuguesa há muitos anos que anda totalmente à deriva.
[perguntas]
[1] A lista de condenados por abuso sexual de menores deve ser restringida a polícias e tribunais, como quer a Procuradoria Geral da República, ou aos cidadãos com filhos menores, como pretende a ministra da Justiça?
[2] Ao fim de 15 anos de processo, o Supremo Tribunal Administrativo reduziu em 60 mil euros a indemnização a uma mulher impedida de ter relações sexuais desde os 49 anos em consequência de erro médico. O tribunal argumentou que "aos 50 anos a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens". Comentário.
[respostas]
Agostinho Guedes, professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] A administração da justiça deve estar a cargo de profissionais, polícias e magistrados, porque misturada com emoções conduz a má justiça e, portanto, à ausência dela. Claro que isto pressupõe que a administração da justiça seja feita de forma profissional, o que nem sempre acontece.
[2] Demorar 15 anos para fazer justiça equivale a não fazer justiça. Por outro lado, a decisão é tecnicamente incorreta porque parte de uma suposição não demonstrada e, parece-me, não demonstrável.
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto
[1] A decisão do STA não tem fundamento algum. Científico. Da natureza. Da experiência. O tribunal não está autorizado a limitar a vida dos cidadãos. Muito menos com fraseologia vazia e bacoca. Manifesta um preconceito quanto à sexualidade da mulher.
[2] Este MJ não acerta uma. Foi o CITIUS. Agora são os "pedófilos". Está sempre em conflito com os portugueses. Melhor lhe fora concentrar-se em verdadeiros problemas. Sem justiceirismos. A PRG tem razão. E um cadastro de maus ministros?
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] A discussão pública desta questão, tratada isoladamente, parece um fait divers apto a desviar a atenção da sociedade de assuntos vitais para a maioria das pessoas. Julgo que a Senhora Procuradora Geral, no momento actual, assume uma postura de bom senso.
[2] Só conheço esse pedaço mediatizado da sentença e considero frustrante e demasiado limitador participar numa discussão mediatizada sobre temática sexual à luz da idade do corpo. Por isso abstenho-me.
José Costa Pinto, advogado e atual presidente da Associação Jovens Advogados
[1] Por mais popular que seja a ideia de uma ampla divulgação, é essencial perceber se a mesma é adequada aos fins. Para além de experiências estrangeiras indicarem que não o será, este tipo de soluções pode conduzir ao perigoso e indesejável caminho da justiça privada.
[2] Os juízes devem julgar apenas de acordo com a Lei, atendendo à factualidade provada. Juízos pessoais e empíricos desprovidos de relação com os factos em análise e de base científica, não são aceitáveis.
Luísa Neto, jurista e professora associada da Fac. Direito da Universidade do Porto
[1] O acesso ao registo em termos alargados desrespeita o teste triplo do princípio da proporcionalidade: necessidade, adequação e proibição do excesso. Acresce a violação do princípio constitucional da segurança quanto à duração e medidas das penas e ainda, indirectamente, do princípio da presunção de inocência. Em suma, é inconstitucional.
[2] Os critérios da judicatura devem ser aferidos por critérios de padrão do "homem médio", o que não parece ter acontecido neste caso.
Manuel Sousa, presidente da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] Não faz sentido qualquer nem responde a qualquer necessidade de prevenção efetiva a publicitação de tal lista. Como é que tal irá prevenir a reincidência, como diz a ministra? Vai contra tudo o que se diz pretender com as penas e medidas previstas no ordenamento penal : a ressocialização do agente.
[2] É (mais) uma das aberrações que os nossos tribunais produzem. O que podemos, e devemos, é comparar o valor da indemnização com outras fixadas em face de outros danos.
Maria Manuela Silva, diretora do Departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] Existe uma diretiva da União Europeia relativa à luta contra o abuso e exploração sexual da criança, que deve ser transposta para quadro legal nacional, para além disso o crime em causa tem aumentado e a reincidência está estatisticamente demonstrada, no entanto, estão em causa direitos fundamentais cuja proteção tem necessariamente de ser bem ponderada. A proteção dos menores têm de ser garantida mas acautelando-se a proporcionalidade face aos direitos que irão ser restringidos.
[2] É um argumento perfeitamente absurdo, sem fundamento legal ou científico. Não é isto que se espera dos tribunais e muito menos de tribunais superiores, que fundamentem decisões com esta ligeireza e avaliando de forma não objetiva uma situação que afeta e afetou o resto da vida de um cidadão.