Uma viagem pelas entranhas do país conduzida por Duarte Belo e Fernando Alves no livro “Onde vais por esse trilho, com o canto da toutinegra?”
Corpo do artigo
São mais de uma centena e meia de paisagens intocadas pela ação humana que representam um tempo primordial onde o respeito inato pela natureza dispensava quaisquer zonas especiais de proteção ou planos diretores municipais, exemplos da fúria legislativa sem fim que marca o nosso tempo. A partir do seu inesgotável arquivo (também conhecido por tesouro), o fotógrafo Duarte Belo – poeta de imagens e não de palavras, como o seu pai, Ruy Belo – selecionou uma ínfima parte, a maioria das quais captadas nos anos 1990, e endossou-as a Fernando Alves.
Mais do que um confronto entre fotografia e texto, “Onde vais por esse trilho, com o canto da toutinegra?” é um diálogo. Ou melhor: uma conversa ininterrupta na qual os nossos sentidos são convocados um a um para melhor fruírem o encantamento aqui presente.
A fusão resultante leva-nos a imaginar sem dificuldade o jornalista e o fotógrafo a percorrerem estes caminhos imaginários, onde se detêm a cada instante para contemplarem uma árvore no meio do caminho, um rochedo pensativo no topo de uma enseada ou um riacho que se recusa a ser domesticado.
Nesta viagem ao Portugal de todos os tempos, a alma e o rosto das paisagens estão por todo o lado, dispensando de bom grado a ação humana. Ao leitor e caminhante que percorre visualmente estes locais apenas é pedido que os contemple, que se aperceba, enfim, que “o rio corre indiferente a antigas e novas diligências” ou que uma humilde pedra sonhe um dia “vir a ser castelo”.
Esteja a percorrer os Pitões das Júnias, a Serra de Monchique, o vale do rio Côa ou a Malhada Sorte, o viajante/leitor sabe apenas que tem que colocar de lado quaisquer dispositivos tecnológicos de orientação e deixar-se conduzir pelo espírito de alguns lugares que resistem (ainda) à massificação em curso. Mas, como escreve Duarte Belo, este livro é também “a descrição da viagem por um país que, cada vez mais, inevitavelmente, se afasta do ponto de partida”.
Se as paisagens são imaculadas em matéria de presença humana, os relatos que as acompanham conservam ainda o eco de quem lá esteve. Como São João de Arga, minúscula povoação no concelho de Caminha onde um ainda jovem Camilo escreveu “Carlota Ângela” e exerceu as funções de redator principal do periódico “A Aurora do Lima”.