As cinco longas-metragens do realizador são exibidas em cópias restauradas.
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Já está em marcha, em Lisboa, no Porto, em Coimbra e em Setúbal, uma retrospetiva da obra do realizador mais secreto da Nouvelle Vague. Todas as suas cinco longas-metragens são inéditas comercialmente em Portugal e, depois de um ciclo na Cinemateca, realizado em 2018, é uma ocasião única para a descoberta de um dos cineastas mais secretos do cinema francês.
Companheiro de percurso de Truffaut, Chabrol ou Rohmer, cujas obras passavam quase todas pelo circuito comercial português, é com Godard que Rozier manteve uma relação mais próxima, como se pode perceber pelas duas curtas-metragens que acompanham a retrospetiva em sala. Como o autor de “O Acossado”, Rozier teve uma vida longa, falecendo em maio de 2023, apenas cinco meses após o desaparecimento de Godard. Rozier tinha 96 anos, Godard deixou-nos com 91.
As razões para a total ausência da obra de Rozier nas salas de estreia portuguesas são várias, mas estarão em linha com o facto do francês também ter tido problemas de distribuição no seu país, onde alguns dos seus filmes tiveram o mesmo destino. Com apenas cinco longas em quase quarenta anos, produzidas entre 1962 e 2001, além de um variado grupo de curtas, documentários e trabalhos para televisão, Jacques Rozier sofreu dessa dificuldade de chegar a um público mais vasto como contrapartida da intermitência da sua produção.
Como tal, “raro”, “secreto” ou “invisível” são alguns dos adjetivos que se colam facilmente à sua obra, cuja vertente mais nobre, as longas, chegam agora até nós, na magnitude da grande sala e em esplendorosas cópias restauradas.
Em Portugal, é no entanto facilmente explicável a ausência das salas da primeira longa-metragem de Jacques Rozier, “Adieu Philippine”, que permaneceria como a sua obra mais apreciada, surgindo como um momento de viragem na história do cinema francês e mundial, a par de títulos que ressoam na memória de todos os cinéfilos, como “A Bout de Souffle”, de Godard, ou “Os 400 Golpes”, de Chabrol.
Na realidade, a história do primeiro filme de Rozier tem início na Paris de 1960, onde um jovem operador de câmara se envolve com duas melhores amigas, ambas atrizes. Quando é chamada para combater na Guerra da Argélia, vai passar o tempo que lhe resta na Córsega, onde as duas se lhe juntam…
O filme é um dos raros a abordar de forma mais explícita a guerra da Argélia, que a França colonizava há cerca de 130 anos. Nessa altura, Portugal era ainda um dos grandes impérios coloniais. Quando o filme estreia em Cannes, na primeira edição da Semana da Crítica, em 1962, a vertente angolana da guerra colonial portuguesa, que se estenderia mais tarde a Moçambique e ao que é hoje a Guiné-Bissau, já se iniciara há pouco mais de um ano. Enorme coincidência: a Semana da Crítica de Cannes decorreu entre 7 e 23 de maio de 1962, a independência da Argélia foi declarada a 5 de julho. E nos anos que se seguiram, a Argélia teve uma importância capital no apoio aos movimentos de libertação dos territórios colonizados por Portugal.
O filme de Rozier anunciava entretanto um cineasta jovem nas formas e da juventude, nos seus temas. Da alegria de viver e da liberdade, que se estende das personagens que vai criando para a sua forma de fazer cinema, ou vice-versa.
Mas se “Adieu Philippine” não poderia passar pelo crivo da censura portuguesa, é mais dificilmente explicável a ausência dos ecrãs portugueses da quarta longa-metragem de Rozier, “Maine Océan”, já de 1988. Produzido em França por Paulo Branco e com fotografia do mestre Acácio de Almeida, o filme tem ainda no elenco Luís Rego, lisboeta de nascença mas exilado em Paris desde os 17 anos, precisamente para fugir à guerra colonial, e Yves Afonso, ator francês filho de pai português.
Enquanto não se faz uma desejável história da distribuição de cinema em Portugal, aproveite-se esta oportunidade de ver “Maine Océan”, nome do comboio que uma bailarina brasileira apanha na estação de Montparnasse, em Paris. No entanto, não validou o seu bilhete, e quando é confrontada por dois revisores completamente inflexíveis, é ajudada por uma advogada, que lhe serve de intérprete e se vai tornar sua amiga.
Apesar do impacto de “Adieu Philippine”, Jacques Rozier demorou nove anos a estrear nova longa. Desta vez foi a Quinzena dos Realizadores de 1973 que acolheu “As Praias de Orouet”. É aí que, chegado o mês de setembro, três amigas parisienses se refugiam, numa escapadela de verão para uma casa de campo com uma praia quase só para elas e onde vão viver em completa liberdade as pequenas aventuras estivais.
Pouco habitual em Rozier, demoraria apenas cinco anos a aparecer nova longa. Estreada em 1976, “Os Náufragos da Ilha Tortuga” apresenta outra peculiaridade no cinema de Rozier que, ao contrário de Godard ou Truffaut, que trabalharam desde o início com estrelas da dimensão de Catherine Deneuve, Brigitte Bardot, Jean-Paul Belmondo, Michel Piccoli, preferiu quase sempre atores e atrizes menos conhecidos.
Aqui, o protagonista é o popular comediante Pierre Richard, tendo ao seu lado outro ator que as plateias francesas já estavam habituadas a ver com regularidade, Jacques Villeret. O filme é uma espécie de antevisão humorística de alguns reality shows de hoje, quando um funcionário de uma agência de viagens imagina uma experiência inspirada em Robinson Crusoe, com os clientes a terem de sobreviver numa ilha deserta…
Se “Maine Océan” demoraria mais dez anos a surgir nas salas, teria de se esperar mais quinze para assistira última longa de Rozier, “Fifi Martingale”. Estreado no Festival de Veneza de 2001, o filme acompanha Fifi, a personagem entral de uma peça de teatro de uma companhia parisiense. No entanto, apesar do sucesso e por pura superstição, o encenador decide reformular por completo a produção da peça, com inesperadas repercussões…
O ciclo Rozier é ainda acompanhado por sessões compostas por duas curtas-metragens, e complementado por o “O Desprezo”, de Jean-Luc Godard. “Paparazzi” e “O Partido das Coisas: Bardot/Godard” foram ambas rodadas durante as filmagens do clássico de Godard, que aparece em ambas, juntamente com os dois atores do filme, Piccoli e Bardot.
Programa:
ADEUS PHILIPPINE
Nimas, Lisboa
6 Julho | 16h
8 Julho | 21h30
Teatro Campo Alegre, Porto
9 Julho | 21h30
Cinema Charlot, Setúbal
8 Julho | 21h30
Teatro Académico Gil Vicente, Coimbra
7 Julho | 21h30
AS PRAIAS DE OROUET
Cinema Nimas, Lisboa
7 Julho | 16h
9 Julho | 21h30
Teatro Campo Alegre, Porto
8 Julho | 21h
Cinema Charlot, Setúbal
7 Julho | 21h30
OS NÁUFRAGOS DA ILHA TORTUGA
Cinema Nimas, Lisboa
7 Julho | 21h30
9 Julho | 13h30
Teatro Campo Alegre, Porto
7 Julho | 21h15
Cinema Charlot, Setúbal
6 Julho | 21h30
MAINE OCÉAN
Cinema Nimas, Lisboa
6 Julho | 21h30
8 Julho | 17h
Teatro Campo Alegre, Porto
6 Julho | 18h
Cinema Charlot, Setúbal
6 Julho | 16h
Teatro Académico Gil Vicente, Coimbra
7 Julho | 21h30
FIFI MARTINGALE
Cinema Nimas, Lisboa
8 Julho | 12h
Teatro Campo Alegre, Porto
6 Julho | 21h30
CURTAS-METRAGENS
Teatro Campo Alegre, Porto
6 Julho | 15h30