No Dia Mundial da Criança, seis músicos portugueses consagrados lembram os seus primeiros passos na arte.
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"O primeiro concerto que realmente deixou uma marca na minha infância foi um recital pela Maria João Pires, no Casino da Póvoa. Recordo-me de ir com o meu avô ao concerto e de chegar a uma sala lotada, com uma sensação geral de antecipação do que se iria passar. Sentei-me numa parte lateral da sala, observando por cima do mar de cabeças dos espectadores. Lembro-me da sala, apenas iluminada no palco, da atenção completa do público, da escuta intensa e, claro, da música: Mozart." A partilha é do pianista Nuno Marques, que vive e trabalha em Nova Iorque, de onde dirige o Porto PianoFest.
Mozart foi também determinante para Dinis Sousa, desde março maestro da Royal Northern Sinfonia, em Newcastle. "A minha primeira memória é da ópera "Don Giovanni", no Coliseu do Porto." Mas, foi outra instituição da Invicta, a Casa da Música, que mudou tudo na sua adolescência: "Lembro-me de sentir a importância do momento de uma sala de concertos, de poder consultar partituras". Apesar disso, a sua sala favorita é a Gulbenkian, em Lisboa: "Adoro o espaço e a fundação. Pela ligação afetiva e pela acústica".
A ópera "Madame Butterfly", de Puccini, no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, foi a faísca para a maestrina Joana Carneiro, responsável da Orquestra Sinfónica Portuguesa. "Essa primeira experiência, e todos os concertos a que tive oportunidade de assistir em criança, foram muito importantes para criar o amor que sinto pela música, como expressão humana e para alimentar a minha vontade de seguir uma carreira na direção de orquestra."
Exemplos caseiros
O amor pela música chega muitas vezes através de fenómenos de mimetização dos pais. O pianista Vasco Dantas teve o primeiro contacto com a música no coro da empresa do pai. O maestro José Manuel Pinheiro dava-lhe um pequeno teclado para se entreter, até que começou a perceber que a criança tinha um ouvido fora de comum. Começou a estudar piano na Valentim de Carvalho e deu o seu primeiro concerto no Museu do Carro Eléctrico, no Porto, aos quatro anos.
Um coro onde a mãe cantava, em Guimarães, foi também decisivo para que Pedro Emanuel Pereira se interessasse pela música. Aos oito anos ganhou o seu primeiro concurso, em Madrid. Aos 17, a convite de Pedro Burmester, abriu um ciclo de piano na Casa da Música. "Na época fui o mais jovem de sempre."
Nem sempre os fenómenos de projeção acontecem só com os pais. O maestro Cesário Costa diz que o primeiro concerto de que se lembra é um número de dois músicos no Circo do Coliseu do Porto, sala onde agora dirige os concertos Promenade. "Era uma coisa muito simples com um xilofone, mas ficou-me gravada." Mais tarde viu um espetáculo dos alunos da Academia de Música de Vilar do Paraíso e "quis imediatamente ir tocar com eles". E assim foi.
"Um concerto é uma experiência sensorial, que requer um participação mental ativa, que proporciona a absorção de um sem número de estímulos para os sentidos e que dificilmente pode ser obtida de outra forma", diz Nuno Marques. É algo que "requer uma aprendizagem da escuta e, principalmente, do silêncio. Numa sociedade cada vez mais ruidosa, os concertos ao vivo são um privilégio pelo qual deveríamos lutar."