“O salto”, de Tiago Correia, lembra as razões para fugir do Portugal autoritário. A peça estreia esta sexta-feira no Porto e fica em cena até domingo.
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Um Toyota dos anos 1970 encontra-se afocinhado no palco. Os passageiros estão feridos ou encarcerados. Apenas uma criança sai incólume do veículo. O que vemos é o resultado de um “salto” que correu mal. Uma fuga desastrada do Portugal do Estado Novo. Uma situação-limite, entre as dores físicas e o pânico, onde emerge um passado que se reflete nos dias de hoje.
“O salto”, escrito e encenado por Tiago Correia, é a primeira parte de um díptico centrado no drama da emigração. A peça estreia esta sexta-feira no Teatro Carlos Alberto, no Porto, e fica em cena até domingo.
E foram mesmo as misérias da atualidade, os regimes de “cama quente” nas grandes cidades, e os contentores para depositar quem trabalha nos campos do Alentejo, que ativaram a lembrança de que nós também fomos – e somos – um país de emigrantes. Os contextos nem são tão diferentes: no início dos anos 70 ou na terceira década do século XXI, foge-se da guerra, da opressão e da fome. Vislumbra-se noutra terra a possibilidade de uma vida melhor.
Para os passageiros do Toyota o objetivo é Paris. Dois irmãos, um desertor e uma revolucionária, entregam as suas poupanças a um “passador”, também ele em fuga com a mulher e uma criança muda. Os primeiros fogem por razões políticas, os segundos da pobreza do interior. Há essa tensão entre o “passador” e os outros fugitivos. Ele respeita os que “saltam” para escapar à miséria.
Despreza os que o fazem por motivos políticos: “Meninos ricos que se queixam, mas não lhes falta nada. Para os de baixo será sempre igual”. Mas ele é também o equivalente aos novos esclavagistas que lucram com os saltos mortais para o Mediterrâneo.
Espetáculo altamente cinemático, com o plano material do veículo e dos seus ocupantes ensanguentados acompanhado por filmagens em tempo real que captam as expressões mais ínfimas dos rostos, “O salto” é quase um filme transposto para palco, com ação bem encadeada e interpretações naturalistas. A sua teatralidade reside nesse jogo intermedial em que o palco se transforma num “huis clos” de debate e decisões desesperadas.
Com apenas três récitas no Porto, o Teatro Carlos Alberto acolhe "O salto" esta sexta-feira às 21 horas; no sábado, a sessão é às 19 horas e no domingo às 16 horas.