Galeano morreu há seis anos mas as suas palavras ainda não prescreveram. É como os Cocteau Twins, acabaram em 1997 e ainda não deixámos de os ouvir. Já o vocalista dos Iceage quer vir tocar a nossa casa. Deixamo-lo entrar?
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Cinco anos antes de morrer, Eduardo Galeano (1940-2015) conversou com Eric Nepomuceno, jornalista e tradutor que há mais de uma década conduz um dos mais bonitos e singulares programas de entrevistas, sobre a América Latina, o estado da democracia, a função da literatura, a gestão das perdas e a utilidade da utopia. "Sangue Latino" é meia hora de conversa extraordinária invariavelmente filmada a preto e branco e sem medo dos silêncios.
A entrevista a Galeano, escritor nascido em berço privilegiado na Montevidéu dos anos 40, foi filmada no Uruguai em novembro de 2009. "Para te levantares, tens de saber cair. Para ganhares, tens de saber perder. E temos de saber que na vida vamos cair e levantar muitas vezes. Alguns caem e nunca mais se levantam, são geralmente os mais sensíveis, os mais vulneráveis. Em contrapartida, esses filhos da puta que se dedicam a atormentar a humanidade vivem vidas longuíssimas, nunca morrem, porque não têm uma glândula, que na verdade é bem rara, que se chama consciência. É ela que nos atormenta à noite", diz a dada altura o autor de "Espelhos", a sua melhor e mais ambiciosa obra.
São quase 600 páginas apresentadas como "uma história quase universal". E é isso mesmo que aquele livro é, centenas de micro-histórias sobre pessoas que a vida não soube propriamente estimar. Foi a essas, aliás, que o escritor dedicou a vida inteira. Eduardo Hughes Galeano morreu há seis anos. E a falta que faz.
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De um outro escritor, António Cabrita, português a viver em Moçambique desde 2005, acaba de ser publicado "Tristia [um díptico e meio]", um "poemário de longo fôlego" integrado na admirável coleção "elogio da sombra" que anda a ser desenhada por Valter Hugo Mãe.
"Caracterizado por uma brilhante, cada vez mais isolada, sofisticação e riqueza de referências e imagética, há também algo ostensivamente mundano no modo de Cabrita que ironiza a tentação erudita e reclama uma fascinante coisa de rua, boémia, informal, de contracultura, combatendo sempre o mais confiável ou expectável, o papel do comportado ou perfeitamente definido." Parte de um poema, que é uma carta, a atestá-lo:
O que fazer à verruma da memória,
essa pequena vitória sobre o medo?
Como repartir o pão
entre os ausentes?
O universo encarniça-se na alba
e dissipa o oxigénio
que nos magoa;
não regateemos, se na vida
até as pedras são profusas,
não nos caiba agora a lição
da sujeição:
emprestemos sim, mãe,
o vento ao esvanecido olho de Deus.
Quem também escreveu uma carta, mas não em forma de poema, foi Elias Bender Ronnenfelt, o compositor e vocalista da banda punk-rock dinamarquesa Iceage, que volta e meia, por uma ou por outra razão, aparece mencionado nestes menus. Desta vez, a razão é um anúncio desesperado no Instagram:
"Olá, já que vem aí mais um verão sem espetáculos no ritmo normal, vou andar pela Europa e levo a minha guitarra acústica. Posso tocar no teu bar, no teu quintal, na tua esquina - onde quer que seja. Entra em contacto pelo e-mail: elias@escho.net. Também estou à procura de residências para escrever. Quaisquer pistas são muito bem-vindas. Com amor, E".
Elias, que fez 29 anos em março, é o melhor candidato a herdeiro contemporâneo da linhagem restrita de estrelas rock de onde saiu o primordial Nick Cave. A sua banda lança no dia 7 de maio o quinto álbum de estúdio, "Seek Shelter", que foi gravado em Lisboa. Quem os viu em Coura em 2015, o ano em que os Tame Impala fizeram a encosta transbordar de gente a cantar o refrão de "Let it happen", nunca mais esqueceu aquele rock poético e tão ameaçador. Talvez valha a pena escrever ao Elias: no Instagram, pelo menos publicamente, ele ainda não se comprometeu com ninguém.
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Mais pop e menos punk é o 4.º álbum dos escoceses Cocteau Twins, "Victorialand", que agora fez 35 anos e que continua tão a valer a pena ouvir. Mesmo que a banda tenha acabado em 1997, continua a ser a melhor definição de dream pop. Entre os muitos monumentos etéreos erguidos pela inclassificável voz de Elizabeth Fraser (é possível fundir a Maria Callas e a Mariah Carey numa pintura de Mark Rothko?), o nosso coração continua a bater mais acelerado por "Lazy calm", um lago mais sereno que o lago mais profundo do mundo, que é o Lago Baikal, na Sibéria oriental. É dolorosamente bela, totalmente hipnotizante.
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Mudando de hemisfério: Pode ser só coincidência, mas a morte aos 99 anos do príncipe Filipe de Inglaterra, no dia 9, atirou novamente a série "The crown", que segue a vida na corte da rainha Isabel II, sua consorte, para os tops da Netflix (10.º posto esta semana em Portugal).
A série histórica criada por Peter Morgan, que oscila entre telenovela e a tragédia grega, continua a arrastar uma legião de fãs (ou de seguidores, como agora se diz), sobretudo a 4.ª temporada, onde aparecem Margaret Thatcher e a princesa Diana. A 5.ª temporada, que entra em rodagem em junho, com Imelda Staunton no papel da rainha, ainda contará com o príncipe Filipe em ação, que vai ser interpretado (os atores mudam a cada nova temporada) por Jonathan Pryce. Estreia em 2022.
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