Cineasta norte-americano regressa aos palcos nacionais, nos Coliseus do Porto e de Lisboa, integrado na New Orleans Jazz Band, num momento difícil da sua carreira.
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Quem conhece minimamente os filmes de Woody Allen sabe que, no que toca a paixões, não há nada capaz de suplantar a sua devoção pelo jazz. De Cole Porter a Duke Ellington, de Louis Armstrong a Art Tatum, as bandas sonoras dos seus filmes refletem o gosto extremado que tem por um género que aprendeu a amar ainda na meninice, nos já muito longínquos anos 1940.
Mas, além de ouvinte incorrigível, Allen é também um músico de jazz. “Sofrível” – como autodepreciativamente se considera, embora muitos músicos e críticos discordem da severidade deste julgamento –, afirma compensar a sua falta de talento com uma entrega que pede meças aos artistas mais empenhados.
Desde os anos 70 que o cineasta ensaia semanalmente num clube de jazz da sua adorada Nova Iorque, ritual que não falha por nada (exceto quando está a rodar um filme fora da cidade). Nem mesmo quando isso implica falhar a cerimónia dos Oscars, como aconteceu em 1978, quando ganhou o Oscar por “Annie Hall”...
Foi já depois desse célebre episódio que o octogenário realizador (cumpre 88 anos em dezembro) passou a fazer parte da New Orleans Jazz Band, percorrendo salas de espetáculo de todo o Mundo como clarinetista de um grupo de músicos virtuosos que homenageiam o riquíssimo legado musical do Mississípi.
É nessa qualidade que Woody Allen se apresta para atuar em Portugal: nesta quarta à noite estreia-se no Porto (na Super Bock Arena) e no dia seguinte sobe ao palco do Campo Pequeno, em Lisboa. Horas antes, estará à conversa com Ricardo Araújo Pereira na Cinemateca Portuguesa, numa sessão que inclui a projeção de “Manhattan”.
Um cineasta acossado
A música tem sido uma aliada poderosa do autor de “Ana e suas irmãs” para colocar à distância devida as graves e insistentes acusações que tem sofrido ao longo dos anos. Apesar de nunca ter sido condenado em tribunal, a mácula levantada por Mia Farrow de que terá abusado sexualmente da sua filha adotiva, menor de idade na altura, deixou danos irreversíveis na sua imagem pública. Sobretudo nos Estados Unidos, onde se tornou uma “persona non grata” e viu quase todas as estrelas de Hollywood, que anteriormente se acotovelavam para participar nos seus filmes, virar-lhe costas.
A Europa tem sido, por isso, o seu porto seguro, o único espaço geográfico onde ainda consegue financiamento para os seus filmes. Depois do esquecível “Riffkin’s festival”, rodado em Espanha, Allen voltou a França, cada vez mais a sua pátria adotiva, para concretizar “Golpe de sorte”, que vai estrear nas salas portuguesas a 15 de outubro.
Convidado especial da edição deste ano do Festival de Cinema de Veneza, onde o filme foi apresentado à margem da competição oficial, Woody Allen somou elogios do público e da crítica pelo aparente regresso à boa forma, mas foi apupado nas ruas. Um desagrado popular que não terá sido alheio às declarações públicas do decano realizador a propósito do famigerado “caso Rubiales”, interpretadas por muitos como uma tentativa de desvalorização do episódio protagonizado pelo então presidente da Federação Espanhola de Futebol.