A Fundação Louis Vuitton, em Paris, apresenta até 28 de outubro "A quatro mãos", exposição que revela a intensa parceria criativa desenvolvida entre Andy Warhol e Jean-Michel Basquiat.
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A reconhecida crítica de arte e filósofa francesa Anne Cauquelin mapeia a transformação dos mecanismos provocada por artistas como Marcel Duchamp (1887-1968) ou Andy Warhol (1928-1987). Define-os como "arrancadores" e como os que, mais claramente, contribuíram para uma mudança no modelo da arte moderna, pertencente ao regime do consumo, e o da arte contemporânea, que pertence ao regime da comunicação.1 A autora considera que no domínio da arte, o movimento de rutura é protagonizado por figuras singulares que questionam as práticas e anunciam uma nova realidade.
Andy Warhol nasceu na Pensilvânia, EUA, no seio de uma família de emigrantes provenientes da Eslováquia, então parte do Império Austro-Húngaro. Aos 17 anos, em 1945, Warhol entra no Instituto de Tecnologia de Carnegie, em Pittsburgh, hoje Universidade Carnegie Mellon e forma-se em design.
Muda-se para Nova Iorque, no contexto de um crescimento galopante do modelo capitalista e da afirmação dos EUA no mundo. Começa a trabalhar como ilustrador de importantes revistas, como a Vogue, a Harper's Bazaar ou The New Yorker. A publicidade é um meio que conhece profundamente e essa condição será determinante para a sua afirmação como artista. A História da Arte consagra-o como um dos fundadores da Pop Art. Contudo, distingue-se de outros autores do seu tempo pela capacidade de visualizar a arte na articulação com a sociedade e em particular com o mundo dos negócios. É essa sua visão que o afasta do paradigma moderno e o inscreve no contemporâneo. A cultura de massas que a sua geração pretende criticar é, simultaneamente, elogiada e difundida pelas suas obras e, em particular, é através dos seus retratos que muitas personalidades da música, do cinema e da política de tornam ícones. Nas diferentes dimensões da sua vasta produção, destaca-se o desenvolvimento dos processos de reprodução da imagem, como a serigrafia. A sua notoriedade traz-lhe riqueza e foram muitos os projetos e artistas que apadrinhou e financiou como a banda The Velvet Underground ou o jovem Jean-Michel Basquiat (EUA, 1960-1988). A sua filmografia é também extensa e a sua produção toca diferentes disciplinas.
Jean-Michel Basquiat e Andy Warhol ter-se-ão conhecido em outubro de 1982 através de Bruno Bischofberger (1940), o galerista suíço que representava ambos. O encontro terá acontecido na The Factory, o estúdio fundado por Warhol e localizado em Manhattan, Nova Iorque, que cedo se transformou no epicentro da boémia para uma geração de artistas. A empatia entre ambos foi imediata e desse primeiro encontro resulta uma fotografia feita com polaroid e um retrato que cada um faz do outro. Warhol procurava inspiração e fica deslumbrado com aquele jovem artista, irreverente, de produção rápida e de protesto, representante da geração da década de 1980 que questionava o instituído. Basquiat procurava um mentor e referenciais intelectuais.
Inicia-se uma colaboração entre ambos que, entre 1983 e 1985 terá tido como consequência cerca de 160 obras. O encontro entre alguém proveniente da Europa do Leste e outrém da América Latina (Basquiat tinha ascendência entre o Haiti e Porto Rico), também representava a pluralidade que era a América e tinha, de certo modo, um sentido de intervenção política com impactos comerciais junto de uma certa faixa da sociedade, empática com as igualdades de direitos. Nesta rede de colaborações, foram também presenças nomes como os do italiano Francesco Clemente (1952) ou do americano Keith Haring (1958-1990).
A Fundação Louis Vuitton, em Paris, apresenta, até 28 de outubro de 2023, a exposição "A quatro mãos", onde se reúnem cerca de 70 obras resultantes da parceria entre Basquiat e Wharol, bem como com outros artistas desta geração, alguns deles já citados. Distribuída pelos seis pisos do fabuloso edifício projetado por Frank Gehry (1928), encomendado pelo francês Bernard Arnault (1949) - o homem mais rico do mundo segundo a revista Forbes - e inaugurado em 2014, a exposição integra, também, fotografias e documentos que refletem o pensamento de uma geração e a movida de uma cidade. Juntam-se vídeos feitos com Basquiat e Wharol e a obra "The Punching Bags (Last Supper)" (1985-86), na imagem, já produzida após o fim da colaboração formal que, à época, foi arrasada pela crítica aquando da exposição na Tony Shafrazi Gallery, em setembro de 1985.
A amizade entre os dois manteve-se, mas Wharol acaba por falecer em 1987 na sequência de complicações geradas por uma operação à vesícula e Basquiat morre de overdose, em 1988, com a fatídica idade de 27. A colaboração entre ambos revela a exaltação neoexpressionista de Basquiat e a clareza do desenho e dos motivos de Wharol mas, acima de tudo, a exposição é o retrato de um tempo e a chama viva da energia de dois dos maiores génios artísticos da segunda metade do século XX.
1 CAUQUELIN, Anne (1993). A Arte Contemporânea. Porto: RÉS-Editora, 1993. Página 77.
"A quatro mãos"
Fundação Louis Vuitton (Paris)
Até 28 de outubro