No seu novo volume crítico, filósofo Terry Eagleton faz cartografia histórica da forma nascida na antiguidade.
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Escreve Terry Eagleton que a tragédia é “a aristocrata das formas de arte” e que o seu objetivo, neste volume, é democratizá-la. Mas o filósofo e crítico literário constrói uma obra exigente, com “name dropping” impressionante e abordagens de complexidade pouco acessível às massas. Um mínimo de iniciação será necessária para acompanhar “Tragédia”, mas é possível que a fluidez do texto e a riqueza das ideias associada ao percurso desta forma gerada na antiguidade clássica possa deixar sementes nos espíritos mais curiosos.
Um primeiro passo é definir a aceção artística da palavra, correntemente usada para descrever todo o tipo de acidentes e desgraças. Como se escreve logo no início, “a forma nasce não enquanto reflexão intemporal acerca da condição humana, mas enquanto meio mediante o qual uma civilização em particular lida durante um momento histórico fugaz com os conflitos que a assolam”.
Na sua génese, no século V a.C., o século de Péricles e da democracia, Eagleton considera que mais do que manifestar uma dimensão política, a tragédia é, em si mesma, uma instituição política, não apenas por utilizar a mitologia como material para analisar questões da atualidade ateniense, como a passagem da lei de Talião à justiça de tribunal (trabalhada por Ésquilo na “Oresteia”), como por ser, na sua própria apresentação, uma forma de “educação ético-política que ajudava a inculcar a virtude cívica”.
Não por acaso, as representações trágicas, ocorridas durante as “grandes dionísias”, eram financiadas por indivíduos eleitos pela cidade-Estado, sendo criado um fundo especial para pagar entradas aos cidadãos mais pobres. Ali se cumpria o que Schiller viria a reclamar milénios depois: “Uma arte elitista para todos”.
Dependendo geralmente de um movimento triádico – um desafio à ordem cósmica motivado pela “húbris”, um castigo à insolência na forma da “némesis” e uma “catarse” capaz de restaurar o equilíbrio –, a anatomia da tragédia é primeiro descrita por Aristóteles, que diz que ela deverá instilar “o temor e a compaixão”.
Eagleton cavalga depois pelos séculos, munindo-se de autores como Hegel, Nietzsche, Benjamin ou Steiner para analisar o modo como a tragédia continuou a operar no interior de diferentes contextos históricos – e como sobreviveu à idade moderna.