Cantora norte-americana regressa às edições com “Let’s walk”, um álbum que merece ser tocado num gira-discos.
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É um paradoxo: a música de Madeleine Peyroux transporta-nos imediatamente para memórias ou ideais de tempos antigos, transforma qualquer sala numa sala dos anos 1930, o velho gira-discos a tocar, o pé a bater até ceder à vontade de pegar quem estiver para uma dança, a alegria e a liberdade do jazz – ainda mais quando impregnado de blues, um estilo à parte, o melhor da vida.
O paradoxo é este: “Let’s walk”, o novo disco da cantora, é livre e fresco como o jazz, mas é político, arreigado, crítico. Entre jazz, blues, folk, entre o muito pessoal e o politizado, fica uma certeza: o amor ainda conquista.
“Vamos andar, vamos rolar, vamos levar os nossos corpos mortais para onde os corações e mentes irão. Vamos liderar, e contemplar”, canta na faixa titular, que é sobre o assassinato de George Floyd. É como um hino, com coros blues e gospel, como quando a música era grito, alerta, ode – e volta a ser, tudo isso.
Nascida nos EUA, criada em Paris onde começou a cantar cedo, Peyroux celebra os seus 50 anos com o trabalho mais confessional até à data. Escrito na pandemia, em parceria com o produtor John Herington, homenageia as suas heroínas Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Bessie Smith, que cantou repetidamente no início da carreira, captando-lhes a vulnerabilidade e o mel na voz.
Para preparar o álbum, estudou ainda o escritor Cornel West e o seu enfoque nos “guerreiros do amor”, que respondiam ao ódio e opressão com amor e música: Nina Simone, Louis Armstrong, Marian Anderson.
“Estes são os meus professores e heróis”, escreve Peyroux. Um desses mentores, Dan William Fitzgerald, ou “Showman Dan”, recebe um tema com o mesmo nome, e Madeleine explica como ele a acolheu em Paris, como lhe passou o amor pelo teatro de rua, pela música.
Sobre o disco, diz ainda que foi “nascendo como que por magia”, algo quase místico. Não há como discordar.