Para "esclarecer as grandes massas leitoras" acerca "da compreensão e divulgação da literatura", o "Jornal de Notícias" publicava a 22 de fevereiro de 1953 o primeiro número do seu suplemento literário.
Corpo do artigo
Fê-lo numa altura em que a maioria dos restantes periódicos, quer do Porto quer de Lisboa, já dedicava à arte da escrita um espaço regular e em muitos casos referencial, mas, ainda assim, com a vontade de se diferenciar da concorrência.
"Não vamos defender ou impor escolas ou doutrinas, fazer proselitismo de grupos ou fações, mas apenas, com a melhor boa vontade, com o máximo de clareza e precisão, servir o público e as artes, dignificar os escritores e os artistas em geral, não esquecendo os do passado, lembrando os do presente, acarinhando os do futuro", escrevia o jornalista Ramos de Almeida no texto de apresentação do suplemento.
O primeiro número do suplemento procurou ser um testemunho desses propósitos. O espaço central da página ficou por conta de José Régio, entrevistado pelo matutino a propósito da recente apresentação em Paris de uma peça de sua autoria, "Jacob e o anjo", um acontecimento de tal forma raro que chamou a atenção de boa parte da imprensa portuguesa.
Já a francesa, contava o JN, "pronunciou-se de maneira vária e diversa", eufemismos que procuraram camuflar a receção relativamente fria dos críticos daquele país, que apontaram à peça falhas várias, como a fixação do autor por símbolos ou a elaboração de teses pouco conetadas à realidade. Às acusações respondeu Régio com "perplexidade", acusando a crítica gaulesa de ser "bastante desatenta".
O segundo artigo mais extenso debruçava-se sobre François de Mauriac, o hoje esquecido autor de "O deserto do amor" que, meses antes, fora galardoado com o Nobel da Literatura. Num texto de Maria Laura de Araújo, é apontado "o desconforto moral, de passividade, de frio íntimo que a sua leitura nos deixa", apesar de tudo recomendável porque "nos faz cúmplices".
Há ainda espaço para se abordar a obra de Ferreira de Castro, na época o escritor português mais lido e traduzido, por ocasião dos 25 anos de publicação de "Os emigrantes", e sobretudo dar conta do movimento que então começava a surgir tendo em vista a trasladação dos restos mortais de Teixeira de Pascoaes para os Jerónimos. Foram tamanhas as evocações que, lembrava o jornal, "a morte de Teixeira de Pascoaes matou o homem, mas ressuscitou o poeta".