Adam Bessa é o protagonista de “Os Fantasmas”, já em exibição nos cinemas.
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Nas salas de cinema neste momento, “Os Fantasmas”, de Jonathan Millet, é uma das recentes primeiras obras mais admiradas do cinema francês, contando-nos a história de um jovem que pertence a um grupo que procura criminosos da guerra da Síria em fuga, deparando-se em França com um seu antigo torturador. O filme é interpretado por Adam Bessa, que o JN encontrou há alguns dias em Cannes, no âmbito do programa da Unifrance, 10 to Watch, uma seleção de uma dezena de novos talentos, entre atores e realizadores.
A sua personagem percorre o filme todo, transportando uma certa aura de mistério. Foi diferente do habitual o seu processo de preparação para o filme?
Todos os filmes são diferentes, mas é verdade que este em particular necessitava de muita pesquisa da minha parte. É um filme onde não há muitas palavras, o que exigia uma forma diferente de me exprimir. O grande desafio era contar uma história ao espetador sem utilizar muito os diálogos. E que mesmo assim se pudesse identificar e conectar-se à personagem. Foi um trabalho introspetivo, e muito interessante de fazer.
Esse facto levou-o a pensar duas vezes, antes de aceitar fazer o filme?
Não, porque o guião estava muito bem escrito, e muito fiel ao filme que agora podemos ver. Foi muito agradável mergulhar nesta história. O guião estava já muito depurado e enunciava já uma linguagem cinematográfica bem precisa.
E depois a rodagem, foi igualmente fluída?
Não foi fácil, porque foi necessário filmar em muitos locais diferentes e talvez desconstruir a certeza que o realizador tinha mostrado na sua escrita. A mim, ter muitas certezas à partida bloqueia-me um pouco. Tive de encontrar o lugar certo para o que eu deveria fazer. Foi um processo intenso, tivemos uma relação artística densa e rica, para encontrar o filme. Não foi fácil, exigiu muito trabalho.
Ficou surpreendido com o impacto que o filme teve?
Sim, não estava nada à espera. Honestamente, não pensava que o filme dissesse tanto a tanta gente. Fico muito honrado que as pessoas apreciem tanto o filme, que seja exibido em tantos países, de culturas muito diferentes.
Neste momento está a preparar-se para outro filme relacionado com a situação na Síria. É apenas uma coincidência?
É muito importante que as minhas escolhas se mantenham ligadas à realidade. Mas não necessariamente sobre uma região geográfica em particular. E é preciso também que, artisticamente, os filmes sejam pertinentes para mim ou que lhes possa dar algo de mim. Mas é verdade que gosto de filmes que de uma certa forma sejam políticos, e exigentes. É um tipo de cinema que aprecio.
O cinema francês vive um bom momento, na perspetiva de um jovem ator?
O cinema francês defende filmes que se passam em outras regiões, obrigando o espetador francês a olhar para outras realidades. Há cada mais filmes nesta vertente. E para mim, enquanto jovem ator franco-tunisino, de raízes diversas, o cinema francês permite-me explorar um pouco o mundo e fazer a ponte entre o ocidente e o oriente.
Hoje, mais do que uma esperança, é já uma certeza no cinema francês. A experiência está a ser a que esperava, quando começou?
O caminho tem sido tumultuoso. Quando comecei, o que queria era entrar em filmes do Emir Kusturica, do Jim Jarmush ou do Wong Kar-wai, realizadores que aprecio bastante. Queria um dia fazer filmes como os dele e poder exprimir-me, ser um artista influente, ser um espelho de uma certa realidade, a voz de certas pessoas que não ouvimos.
É esse o papel de um ator, de um artista em geral, no mundo em que vivemos?
Um artista é fundamental em qualquer sociedade, nomeadamente capitalista, onde o dinheiro domina tudo. Um artista representa de certa forma um contrapoder. Com tanta pressão do mercado, um artista deve tentar falar sobre as coisas de que não se fala muito, A responsabilidade do artista é ser um pintor do seu tempo. Não dar necessariamente todas as respostas, mas pelo menos levantar as questões certas.