Caixa com cinco discos conta a história dos espetáculos da fadista no Olympia, entre 1956 e 1975. Um triunfo que a projetou mundialmente.
Corpo do artigo
"A canção feita mulher", "uma cantora que arrasta tudo na sua passagem", "a própria voz da noite". Eis alguns dos arroubos com que a crítica francesa foi descrevendo as atuações de Amália Rodrigues em Paris, cidade que lançou a fadista para o circuito das vedetas internacionais. É essa relação com a Cidade Luz, contada em três décadas de espetáculos, que fica agora fixada com o lançamento de "Amália em Paris", caixa com cinco CD que surge no mês em que se assinalam os 100 anos do nascimento da "rainha do fado".
Do material reunido pelo investigador Frederico Santiago, apenas era conhecido aquele que compõe o primeiro disco - a estreia de Amália no Olympia, em 1956, diante do "público mais culto e sofisticado da Europa de então", como escreve o estudioso no texto de apresentação.
Os outros CD contêm material inédito, recuperado dos arquivos do Instituto Nacional do Audiovisual de França, da Valentim de Carvalho e de gravações privadas. E registam a passagem triunfal de Amália pela mais antiga sala de espetáculos musicais de Paris, em 1967 e 1975, além de gravações em rádios francesas.
O salto decisivo
Amália não chegara a Paris, em 1956, com uma anónima mala de cartão. Em Portugal era já um mito, atuara inúmeras vezes no Brasil, EUA e México, participara nos concertos do Plano Marshall, em 1950, e passara, inclusive, por outras salas parisienses, mas é nesse espetáculo, em que canta "Barco negro", "Uma casa portuguesa" ou "Nem às paredes confesso", que dá o salto decisivo para a ribalta internacional: "A elite francesa percebeu primeiro o alcance da fadista", diz Frederico Santiago, "reconheceu nela uma artista requintadíssima, que se apresentou de forma arriscada e autêntica, sem orquestrações ou coreografias, sem muletas. Apenas uma guitarra e uma viola. Apenas a voz e o negro".
Um feito conseguido, além do mais, sem que ninguém lhe entendesse as palavras, como lembra Jorge Muchagato no longo texto incluído na caixa: "Ninguém a compreende, mas o milagre acontece".
Essa universalidade relaciona-se com o facto de Amália, mais do que uma grande fadista, ser uma grande voz, "a maior cantora popular do século XX", afirma Frederico Santiago: "O fado foi atrás dela e não o contrário. Ninguém conhecia o fado internacionalmente, e em Portugal era visto como canção lisboeta. Foi ela que lhe deu uma dimensão universal, porque era também capaz de cantar flamenco, folclore italiano, canções brasileiras, rancheras mexicanas ou marchas populares. Se pusessem a Ella Fitzgerald a cantar fado, seria certamente um desastre. Mas a Amália cantou temas americanos de forma sublime".
Toda essa amplitude de registos foi exibida nos espetáculos do Olympia, que na sua cronologia acompanham também a história dos emigrantes portugueses em França, que em 1975, pela primeira vez, se misturam com o público parisiense para testemunhar o triunfo da sua compatriota.