Andreas Dresen sobre "De Hilde, Com Amor": "Foi muito difícil filmar a cena da execução"
O realizador alemão Andreas Dresen falou com o JN sobre “De Hilde, Com Amor”, já nas salas de cinema.
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Berlim 1942. Hilde é membro do grupo de resistência antinazi Orquestra Vermelha, de que faz também parte Hans, por quem se apaixona. Os dois passam o verão juntos, até serem detidos pela Gestapo e condenados à morte. Hilde está grávida de oito meses e a execução só será efetuada depois de dar à luz. Enquanto espera pela guilhotina, Hilde escreve cartas ao filho. Baseado nesta história verídica, Andreas Dresen realizou o tocante “Para Hilde, Com Amor”, já nos cinemas. Recorda-se aqui a conversa tida com o realizador durante o Festival de Berlim, a pouca distância do local da execução.
Os jovens alemães de hoje sabem alguma coisa sobre a história de Hilde?
Há outros heróis de resistência mais conhecidos, como o Claus von Stauffenberg. Mas para mim foi interessante perceber que havia resistentes em todos os estratos da sociedade. Se olharmos para um grupo como a Orquestra Vermelha vemos que os seus membros vêm de todas as partes. Havia operários mas também escritores, artistas e cientistas, unidos pela ideia de fazer alguma coisa contra aquele regime totalitário.
Há alguma razão para a história de Hilde não ser tão conhecida?
Na Alemanha de Leste eram vistos como heróis, na Ocidental como traidores. Só em 2009, já muito depois da reunificação, é que lhes foi retirada a sentença. A maneira de olhar para a História nas duas partes da Alemanha era muito diferente. Os nazis diziam que era um grupo organizado que fazia espionagem para a União Soviética. Mas não eram tão organizados como isso. Mesmo o nome Orquestra Vermelha foi criado pelos nazis. Eram apenas um grupo de amigos, alguns nem sequer se conheciam.
Não receou que o espetador de cinema pensasse que era apenas mais um filme sobre a segunda guerra mundial?
Não vemos a guerra, apenas a sentimos. Quis evitar os clichés habituais dos filmes sobre os nazis, com toda a sua iconografia. O esforço foi no sentido de trazer estas pessoas para a História, o mais perto possível das pessoas que vão estar na sala de cinema a ver o filme.
A sua estratégia foi humanizar estes heróis…
Quando cresci, na Alemanha Oriental, estes tipos eram super-heróis. Ninguém se comparava a eles, sabíamos que não podíamos fazer nada igual, éramos pessoas normais. Mas quando descobri as fotografias deles, vi pessoas junto a um lago, a passear num barco à vela, a comer um gelado, tudo coisas normais. Foi isso que achei interessante, aproximar-me daquelas pessoas. Ter a ideia de que eu poderia ser um deles. Como é que eu teria decidido, se estivesse no lugar deles?
Mesmo os nazis, são mostrados de uma forma mais humana que o habitual.
Não as quis mostrar agressivas, sempre a gritar, mas quase amigáveis, sorridentes, embora não demasiado. O filme acaba com uma execução brutal. A sociedade é construída sobre uma multidão de pessoas que vão avançando, por vezes de forma oportunista, agarrando-se ao sistema. É assim que as coisas se passam. Foi isso que quis mostrar.
É terrível perceber que aquele grupo de pessoas nunca alcançou o seu objetivo, ainda em vida.
Muitos deles foram executados, sim. Seguramente mais de uma centena. Para nós também é importante colocar essa questão no final do filme. Sabíamos que o resultado era um não resultado. Mas a principal questão é esta, será o resultado da resistência mais importante que a própria resistência? Cada qual tem de dar a sua resposta. Quando o filme acaba toda a gente pode levar essa pergunta para casa. Penso que é uma boa ideia pensar um bocadinho nisso.
Até que ponto a sequência da execução é realista?
É completamente realista. É uma coisa terrível, os nazis tinham protocolos para tudo. Tudo estava descrito, ao pormenor. É uma burocracia horrível. Pode saber-se por exemplo quanto tempo demorava. A execução de cada mulher durava entre sete e quinze segundos, desde o momento em que o Procurador confirmava a sentença.
Como é que foi para si filmar aquela sequência?
Para ser honesto, enquanto realizador, foi horrível fazer, com todas aquelas atrizes. Há relatórios sobre como as pessoas reagiam, umas riam, outras choravam, outras tentavam não reagir. Numa situação daquelas tudo era possível. Houve muitas situações na feitura deste filme que nos levou aos limites. É difícil imaginar o que uma mulher sente quando lhe retiram o bebé e sabe que vai ser executada.
E a Lisa Liv Fries, que interpreta a Hilde, como é que foi para ela?
O momento mais duro foi quando a guarda prisional lhe dá o documento em que o apelo lhe é negado, com a assinatura de Hitler. A Liv pegou naquele papel, é claro que é uma atriz, mas naquele momento percebe que não é uma história inventada, aconteceu na realidade. Por vezes foi difícil para todos aguentar. Houve muitas lágrimas e nem só à frente da câmara. Foi uma história terrível e infelizmente verdadeira. A execução passou-se a poucos metros de onde estamos agora.
Quanto tempo demorou a encontrar a atriz?
A Liv foi a minha primeira ideia, depois fizemos um casting, porque não tínhamos a certeza, mas acabei por perceber que a minha decisão inicial era a correta. Estou muito contente com a forma como ela fez o seu trabalho. É maravilhosa, olhamos para o rosto dela e vemos diretamente a sua alma. Como realizador, deu-me a possibilidade de fazer planos muito longos só com ela.
A importância da história de Hilde é acentuada ainda pelo facto de ser mãe.
Era muito importante mostrar o momento em que dá à luz. É um momento que muda a vida dela. Deixa de ser responsável apenas por si própria e passa a ser responsável também pelo seu filho. A partir desse momento, passa a ser mais dura, mais corajosa. Ganha mesmo o respeito da guarda prisional, que percebe toda a força daquela mulher.
Que informação tinham sobre a vida da Hilde antes de ser presa?
As melhores fontes foram as cartas dela. Escreveu cartas maravilhosas, muito tocantes. Tive a sensação que a melhor forma de a perceber era através daquelas cartas. Foram a melhor forma de expressar as suas emoções. E claro que conhecer o filho foi também muito importante. Não se lembra dos pais, tinha cerca de um ano quando foram executados, mas durante toda a sua vida fez pesquisas sobre eles.
O que sentiu, quando finalmente o conheceu?
O mais emocionante foi olhar para ele. Tive a estranha sensação de ver a mãe dele. É uma pessoa tão gentil e calma, foi tão maravilhoso conhecê-lo. Quando estava com ele, via a mãe dele a olhar para ele e soube o que estaria a pensar.
Quais foram as reações dele ao filme?
Foi muito emocionante, foi como estar a ver os pais. Disse-nos que toda a vida quis que todos os clichés acerca daquele grupo e dos seus pais tinham de ser deitados ao lixo. E que o filme tinha sido uma grande ajuda, porque são mostrados como seres humanos, como quaisquer outros. Foi algo que ele apreciou muito no filme. Para mim, foi muito tocante olhar para ele a ver o filme. No filme, é a voz dele que ouvimos. Tem uma voz muito bonita. É uma pessoa muito calma. Diria que é muito parecido com a mãe.
Onde é que ele passou a infância?
Na Alemanha de Leste. Primeiro com a mãe de Hilde. Quando ela morreu, passou a viver com a mãe de Hans. Cresceu com os avós paternos. A mãe de Hans foi para a Alemanha de Leste, onde ele cresceu e começou a trabalhar. É uma das razões pelas quais é mais conhecido na Alemanha de Leste que na Ocidental.
Onde é que descobriu as cartas da Hilde?
Ela enviou as cartas à mãe e a outras pessoas fora da prisão. Há algumas mesmo antes de ser presa. E há cartas de outras pessoas do grupo, em que falam dela. Foi uma espécie de puzzle. Algumas foram coligidas, mas nunca foram publicadas.
Quais foram as primeiras reações ao filme?
Não li nada. Há algum tempo que decidi não ler, para não me fazer mal. Da última vez que estive na Berlinale, com o “Rabiye Kurnza vs George W. Bush”, só li as primeiras críticas duas semanas depois e já não me interessava nada. Não muda o filme, tenho o meu próprio ponto de vista, sei os erros que cometi, da próxima vez tentarei fazer melhor. O que gosto mais é de falar com as pessoas numa sala de cinema, depois de verem o filme.