António-Pedro Vasconcelos está de volta com "Km 224". Um filme sobre o efeito nas crianças da separação dos pais.
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Quatro anos depois de "Parque Mayer", António-Pedro Vasconcelos dobra o meio século de carreira com "Km 224", sobre um casal em processo de divórcio e o problema da partilha das suas duas crianças. O realizador esteve a conversar com o JN.
"Km 224" é um regresso ao tema da infância, depois de "Jaime".
"Jaime" calhou ser um filme sobre um miúdo, porque o que me chocou foi a situação do Vale do Ave, com a exploração do trabalho infantil. Mas ninguém se lembra, nem eu me lembrava, que há um outro filme em que eu tratava o tema, "O lugar do morto". A personagem central era um pai, divorciado e com duas crianças de mulheres diferentes.
O tema central de "Km 224" é o efeito nas crianças da separação dos pais.
Em finais dos anos 70 começam a multiplicar-se os divórcios. Portugal moderniza-se, de certa maneira. É um período não digo de prosperidade, mas com a entrada na Europa e a abertura das fronteiras há uma corrida ao consumo. Muita gente tinha de se desdobrar em mais do que um emprego. O tema dos filhos, dos filhos inocentes, já vem daí.
De onde surgiu esta história específica?
Foi-me proposta pela Filipa Martins. Achei o tema interessante e deu-me liberdade total. Criei esta história de pais separados com feitios muito opostos. Ele arquiteto, com uma profissão liberal, um pouco aventureiro, ela uma mulher responsável, a querer subir na carreira.
Dá a impressão que toma partido por ele e que deseja que o espectador também o faça.
A vida de arquiteto é instável, como é a minha de cineasta. No projeto da Filipa tomava-se claramente partido por ele. No filme não quis que isso acontecesse. Ele é obrigado a inventar uma nova vida. Mas ela também não se sente confortável com a atitude que toma. Mas eu identifico-me mais com ele. Talvez por ser homem. As mulheres são mais realistas e os homens mais românticos.
Como é que foi trabalhar com estes dois miúdos?
O Gonçalo, que faz de Mateus, era muito ponderado, muito atento. O Sebastião, que faz de Francisco, era muito irrequieto. Por vezes tive mesmo de subir a voz e de lhe falar como um pai. Curiosamente, tanto a Ana Varela como o José Fidalgo tinham dois filhos e estavam separados. A forma como eles lidaram com os miúdos foi extraordinária.
A Joana Africano é a grande revelação do filme.
Foi uma surpresa para mim. Andei muito tempo a hesitar entre atrizes e de repente olho para uma fotografia de uma miúda com o cabelo muito cortado e preto e o olhar dela impressionou-me. E quando veio para o teste, apareceu loura. Completamente diferente. Mas foi fantástica.
Há muito que estava afastado de Paulo Branco. Como é que se deu este reencontro?
Ele convidou-me para apresentar alguns filmes, houve uma aproximação, voltámos a encontrar-nos no Gambrinus e perguntou-me porque é que não fazíamos um filme. E eu tinha tido a proposta da Filipa. Não sou de rancores e do que me lembrei foi do melhor que tivemos em comum. Durante uns dez anos tivemos uma cumplicidade fantástica.
Como é que alguém que esteve em lugares de decisão no cinema português vê a situação atual?
Foi criada uma divisão fatal entre o que se chama hoje cinema comercial e o cinema de autor. Eu fiquei de um lado e o outro lado ganhou. A Escola de Cinema do Conservatório formata jovens, não os forma, com uma ideia do que deve ser o cinema. Sempre disse aos meus alunos que o cinema é o que eles quiserem.