Em França, comunidade artística desconta para fundo a usar durante paragem. Jornadas do Teatro debatem hoje sustentabilidade.
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Os franceses têm "o sistema mais social do Mundo" no apoio às artes. "Não há nenhum outro que se lhe compare. Mesmo na Bélgica, onde existe algo semelhante, nunca se foi tão longe no conceito de apoio" como em França, sublinhou ao JN Victor Oliveira, ator, encenador e professor de teatro na Universidade de Sorbonne, em Paris, e um dos convidados das Jornadas que hoje, em Sintra, vão debater a sustentabilidade do teatro.
O debate tem particular significado este ano: o setor, como toda a atividade artística, está parado e a sofrer de forma severa com o cancelamento de espetáculos.
Victor Oliveira, que vive em França há mais de duas décadas e que, em condições normais, deveria estar em digressão, explicou ao JN o que é o chamado "apoio intermitente", lá implementado. Em França, os artistas com trabalho intermitentes descontam uma percentagem do que ganham para um banco de horas relacionado com o trabalho que desenvolvem e que deverá ter um mínimo de 507 horas anuais. "Só que essas horas tanto podem ser contabilizadas como o tempo gasto na representação do espetáculo, como dos ensaios, workshops, ações desenvolvidas com o público mais jovem e até aulas que se tenham dado. Desde que se enquadrem no âmbito artístico, tudo conta para esse fundo de indemnização". A verba pode depois ser usada em tempos de paragem.
Um sistema que poderia ser útil em Portugal em condições normais - a comunidade artística é muito precária - e especialmente importante agora que a pandemia tudo travou: dos que responderam a um inquérito do Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos, 98% declararam ter ficado sem trabalho; outro questionário, organizado pelo Movimento "SOS Arte PT", apurou que 75% dos profissionais das artes registaram fortes quebras de rendimento.
É por isso urgente a discussão sobre a sustentabilidade das artes e do teatro em particular. "Decidimos que, no atual contexto, a questão do financiamento à atividade teatral era algo que se impunha discutir", justificou Pedro Alves, diretor artístico do Teatro Mosca, companhia fundada em 1999 e que organiza as Jornadas. Agora e no futuro, notou.
"Grande diferença"
"Em França", continua Victor Oliveira, "a maioria dos teatros não depende de financiamentos do Ministério da Cultura. São os departamentos ou as regiões que garantem esse financiamento. Penso que esta é a grande diferença relativamente a Portugal". Em terras gaulesas, "a importância que se dá à cultura não tem comparação com a que se dá em Portugal".
Para além de Victor Oliveira, para a discussão de hoje, que decorrerá na plataforma Zoom, foram chamados também o encenador espanhol Adolfo Simón, e Jorge Barreto Xavier, antigo secretário de Estado da Cultura e atual diretor municipal de Cultura da Câmara Municipal de Oeiras, além de outros convidados.