O luso-brasileiro Artur Barrio expõe no Centro Internacional de Artes José Guimarães até 3 de setembro a (quase) retrospetiva "Interminável".
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Artur Barrio é um eterno torna-viagem, um transeunte do mar que, ao longo de mais de 50 anos de carreira, aproximou as margens do Atlântico enorme e fez soar o melhor da vanguarda, no campo vasto das artes plásticas e visuais, em língua portuguesa, com o sotaque da Liberdade e de todas as Revoluções.
Nascido no Porto em 1945, em 1952 viaja com a família para Angola e em 1955 para o Brasil onde estabeleceu residência até aos dias de hoje. É do seu barco "Pélagos", estacionado na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, que observa o mundo e mantém a experimentação e ativismo pela arte como formas de vida, como um jeito de respirar.
Em 1967, ingressou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no contexto de um Brasil mergulhado numa ditadura militar, que a História contextualiza entre 1 de abril de 1964 e 15 de março de 1985. Já como artista, na década de 1970, passa longas temporadas na Europa, sobretudo em França e nos Países Baixos, tendo regressado a Portugal após o 25 de Abril de 1974 para sentir o cheiro dos cravos e da poesia que havia saído à rua.
O percurso de Barrio é de mérito indelével, atingindo patamares de excelência como a atribuição do Prémio Velázquez em 2011; a representação do Brasil na 54ª Bienal de Veneza, também em 2011; a participação na 11ª Documenta de Kassel (2002), na Bienal da Coreia do Sul (Kwangju, 2000), na Bienal de Havana (1984), e em diversas edições da Bienal de São Paulo (2013, 2010, 2004 ,1998, 1996, 1994, 1985, 1983 e 1981).
Já realizou exposições individuais em instituições como o Museo Reina Sofía (Madrid, 2018), Museu de Serralves (Porto, 2012 e 2000), Museo Tamayo (Cidade do México, 2008), Palais de Tokyo (Paris, 2005), FRAC (Marselha, 2005), ou MAM Rio (Rio de Janeiro, 2001). Os seus trabalhos integram importantes coleções como a do MoMA (Nova York), Centre Pompidou (Paris) SMAK (Gent), Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Porto), Inhotim (Brumadinho), MAM Rio (Rio de Janeiro) ou a Pinacoteca de São Paulo (São Paulo).
Não obstante, um dos princípios da obra de Barrio é a sua dificuldade de institucionalização ou preservação, num quase anti futuro, em que a criação é conceito, ação, performance, deterioração, precariedade, presente. Materiais como sal, café, papel higiénico, sangue, pão ou carne, são a base de uma produção que não se pendura na parede, nem tem forma estanque de apresentação.
Até 3 de setembro de 2023, o Centro Internacional de Artes José de Guimarães (CIAJG), em Guimarães, apresenta "Interminável", uma (quase) retrospetiva deste nome central da arte brasileira. Correndo o risco da redundância, arriscaria dizer que esta se trata de uma exposição sem fim, em que os curadores Luiz Camillo Osório (BR, 1963) e Marta Mestre (PT, 1980) optaram por um dispositivo instalativo e participativo, por um lado e, por outro, por uma abordagem de arquivo e memória que nos transporta para um intenso mergulho na diversidade de tecnologias que compreende a obra de Barrio, artista pioneiro na realização de instalações de larga escala, de composições caóticas, onde se misturam múltiplos elementos.
A instalação "Interminável", de 2005, reconstituída nesta exposição no CIAJG, reflete, precisamente, esse caos e essa diversidade, sendo simultaneamente um convite de obra aberta à maneira de Umberto Eco (IT, 1932-2016), para que os públicos cumpram o exercício dos cinco sentidos, da antropometria sinestésica e corpórea. Barrio valoriza a experiência e não o objeto, a memória que nos fica no corpo e na mente, e não a que portamos como bem de consumo. É nesta difícil imbricação que, de uma forma brilhante, o CIAJG apresenta uma exposição disruptiva, mas pedagógica, em que gastamos tempo e despertamos a atenção para os detalhes, para a profusão de vistas, porque o importante é sentir como Barrio fazia e retirar do espaço do museu a imortalidade de um artista que ousa, mantendo uma coerência produtiva como poucos, não abdicando de uma arte de utopias e gritos, de criar ficções livres, mas reais. Esta é, também, uma exposição que expressa a competência de Marta Mestre, uma das que melhor combina o que é dirigir um museu (o CIAJG) com a curadoria e os seus desafios. A não perder!
"Interminável"
ARTUR BARRIO
CENTRO INTERNACIONAL
DE ARTES JOSÉ DE GUIMARÁES