David Grossman analisa as consequências do interminável conflito israelo-árabe
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Há décadas que David Grossman, o mais premiado escritor israelita do nosso tempo, faz dos esforços de conciliação no interminável conflito entre o seu país e os povos vizinhos – a começar pelos palestinianos – uma das grandes causas que o move. Fá-lo, muitas vezes, em prejuízo próprio, porque as divisões sociais e políticas são tais que quem se opuser à via radical em curso é desde logo apelidado de traidor pelos seus próprios concidadãos.
Pacifista convicto, o autor de “Até ao fim da terra” sempre acreditou que, pese embora as frações entre os contendores, existia uma via, ainda que estreita, a partir da qual poderia ser construído um caminho de entendimento. Essas esperanças ficaram praticamente soterradas a 7 de outubro de 2023, quando o ataque-surpresa do Hamas matou mais de um milhar de civis israelitas, perante a inércia das forças de Israel.
Escritos, na sua maioria, nos anos que antecederam os atentados, os ensaios e discursos mais recentes de “O coração pensante” traduzem esse aturdimento, mas também a angústia de quem tem noção de que estão mais longínquas as palavras que escreveu em 2021, numa manifestação pela paz em Telavive, segundo as quais seria em breve possível “vivermos aqui juntos, em total igualdade, em paz, árabes, judeus, seres humanos”.
Se o cenário atual é sombrio, tal deve-se, de acordo com Grossman, a Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro “moralmente falido” que arrastou o país para uma deriva militar e destruidora sem fim à vista. O romancista defende que, no afã de manter-se agarrado ao poder, Netanyahu perdeu a oportunidade de liderar um movimento de concórdia entre vizinhos, o qual passaria pelo fim da repressão e uma forma de reconhecimento do Estado da Palestina.
Mesmo que, por vezes, traído pela emoção – como acontece quando diz que Israel é o único país ao qual nem todos reconhecem o direito à existência –, o autor não deixa de lado a ideia de que “uma vida estável e segura” na região só será possível quando Israel respeitar as minorias que habitam no seu seio.
“Coração pensante”
David Grossman
Publicações. D. Quixote