"Chá lá lá" revela um autor em modo pop maximal e agridoce.
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O novo álbum de Miguel Araújo começa numa erupção de otimismo, mesmo com nuvens no horizonte (há sempre nuvens no horizonte). "Dia da procissão" tem algo da América dos espaço abertos no refrão mas o resto é produto nacional, de uma província observada com um bocado de espanto, bastante empatia e olho para o detalhe ("A santa caiu do andor/ Na esquina do Santander").
"Chá lá lá" marca um pequeno mas evidente ajuste de rumo sonoro num autor que atravessa anos de assinalável produtividade. É o conjunto de canções mais pop, mais maximal de Miguel Araújo. E embora as piscadelas de olho estilísticas sejam geralmente familiares, das árvores clássicas de The Beatles e The Beach Boys, há diversas fugas para a frente. "Talvez se eu dançasse" é meio new wave, meio indie-pop trazido da década de 1980: direta, rápida, ágil, banhada em cores vivas. Aqui e em todo o disco impera o princípio da melodia agridoce.
"Amores e guarda-chuvas" é um intervalo de ternura meio desamparada, um piano empurrado para primeiro plano e um coro etéreo de miguéis araújos. Logo depois retomam-se os 80 com "Dança de um dia normal" e "Karma kamikaze" - nesta última é de power pop que se trata, com palmas a marcar o ritmo e sintetizador de hálito barato a pontuar aqui e ali.
Quase todas as nove canções de "Chá lá lá" têm fibra de single. A exceção maior chama-se "Canção da rádio", sobretudo quando o refrão, já de si um compósito alienígena de versos de êxitos dos GNR, Xutos & Pontapés, Heróis do Mar e António Variações, passa a ser também entoado por alguns dos protagonistas originais (Tim, Rui Reininho, Rui Pregal da Cunha) à distância de uma nuvem fantasmagórica, entre uma orquestra não menos difusa.
Dito isto, a grandiloquência pop-rock de "Chama por mim", a fechar, é que é a mais atípica das canções do álbum e da discografia em nome próprio de Miguel Araújo: podia ter nascido num dia bom dos Coldplay, cabelo ao vento e psicadelismo nas margens. "Chá lá lá" chega com a primavera e isso faz todo o sentido.
Chá lá lá
Miguel Araújo
Chiu