Ator atacado por grupo de extrema-direita teve alta e tem 180 dias para apresentar queixa
Ator Adérito Lopes, agredido esta terça-feira à noite, à porta da Cinearte, em Lisboa, onde deveria interpretar Luís de Camões, na obra "Amor é um fogo que arde sem se ver", da companhia A Barraca teve alta hospitalar. Récita foi cancelada após agressões.
Corpo do artigo
Agente do ator explicou que este "se encontra com várias lesões na cara" e que "vai querer contar o que aconteceu, mas dentro de alguns dias".
Fonte policial explicou, ao JN, que, pelas 20.15 horas, a PSP foi chamada ao Largo de Santos, junto ao número 2A, por haver notícia de agressões. Aí, foi contactada pelo ator, de 45 anos, que informou que, ao sair da sua viatura pessoal, foi agredido por um indivíduo.
"A PSP, com as características do eventual suspeito, fornecidas pelo ofendido e por um amigo deste, encetou várias diligências nas artérias adjacentes ao Largo de Santos, tendo sido possível localizar e intercetar um homem com 20 anos, suspeito de ser o autor da agressão", acrescentou a mesma fonte.
Adérito Lopes necessitou de assistência hospitalar, tendo sido assistido no local pelos bombeiros e transportado para o Hospital de Santa Maria.
A PSP identificou todos os intervenientes e irá comunicar todos os factos apurados ao Ministério Público. Como não houve flagrante delito e como o crime de ofensa à integridade física é um crime semi-público, a vítima tem agora 180 dias para apresentar queixa às autoridades.
Adérito Lopes: o percurso notável de um ator entre o palco e a academia
Adérito Lopes é hoje uma das vozes mais consistentes e respeitadas do teatro contemporâneo português. Nascido em Lisboa a 14 de fevereiro de 1980 desde cedo revelou uma inclinação natural para a expressão dramática, uma vocação que rapidamente se transformaria em carreira sólida e academicamente embasada.
Formou-se na Escola Profissional de Teatro de Cascais entre 1998 e 2001, tendo antes iniciado a sua atividade teatral no grupo juvenil O Palmo e Meio e na oficina da Comuna – Teatro de Pesquisa, ainda nos anos 1990. Essa fase embrionária revelou-se essencial para a construção da sua linguagem artística, que se caracteriza por uma presença forte em palco, aliada a uma abordagem crítica e social do papel do ator.
Ao longo da sua carreira, Adérito Lopes integrou algumas das mais prestigiadas companhias nacionais de teatro, incluindo A Barraca, Teatroesfera, Teatro Aberto e a Companhia de Teatro de Almada. No seu currículo contam-se dezenas de peças, de autores como Shakespeare, Tchékhov, Brecht, Lorca, Jean Genet e Gil Vicente, entre muitos outros. Nos últimos anos, destacou-se em produções como “Duas Peças em Estado Novo” no Museu do Aljube (2024), “Elogio da Loucura” (2021) e “Os Pintores de Canos” (2022), esta última com encenação de Helder Costa.
No cinema, participou em filmes como “Os Gatos Não Têm Vertigens” (2014) de António-Pedro Vasconcelos e “O Segredo de Miguel Zuzarte” (2010), somando ainda presenças regulares na televisão, em novelas e séries como “Mar Salgado”, “Rosa Fogo”, “Amor Amor”, “O Crime do Padre Amaro” e mais recentemente “O Arquiteto” (2024).
Mas o percurso de Adérito Lopes não se esgota na representação. Paralelamente à sua atividade artística, construiu uma sólida carreira académica. Doutorou-se em Comunicação, Cultura e Artes (ramo teatro) pela Universidade do Algarve e completou um pós-doutoramento na Escola Superior de Teatro e Cinema, onde investigou o ensino artístico do teatro. Atualmente, exerce funções como professor coordenador no Instituto para o Desenvolvimento Social (IDS), onde leciona o curso profissional de Intérprete-Ator.
Ao longo dos anos, recebeu diversas distinções pelo seu trabalho, nomeadamente o Prémio Especial do Júri no Festival Internacional de Teatro de Almada (2014), pelo espetáculo “O Menino de Sua Avó”, com o grupo A Barraca, e foi finalista do concurso “Novos Atores” promovido pelo Teatro São Luiz, em 2006.
A sua trajetória é marcada por uma profunda coerência ética e estética. Adérito Lopes é conhecido pela forma como escolhe os seus projetos, frequentemente privilegiando textos com relevância política e cultural, que questionam o estado das coisas e desafiam preconceitos sociais. Não apenas representa personagens — problematiza realidades.
Atualmente com 45 anos, Adérito é considerado um exemplo de resistência artística e intelectual no panorama cultural português, sendo frequentemente convidado para debates sobre o papel do teatro na inclusão social e na construção de pensamento crítico. A sua voz, nos palcos e fora deles, continua a fazer-se ouvir com firmeza, num país que ainda tem muito a aprender com a diversidade e o talento que o compõem.