Filmes de Nanni Moretti, Marco Bellocchio e Alice Rohrwacher disputam Palma de Ouro
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Se houvesse uma Palma de Ouro para o melhor diálogo de todo o festival, já estaria encontrada. Em "Il Sol dell"Avenire", onde Nanni Moretti substitui por momentos a sua vespa pelas novas trotinetes, o italiano interpreta o papel de Giovanni, um realizador que, ao mesmo tempo que a mulher produz pela primeira vez um filme de outro cineasta e ameaça deixá-lo, ele próprio tenta terminar o seu novo filme.
Giovanni tem como primeiro aliado um francês, interpretado por Mathieu Amalric, que no entanto é preso por desvio de fundos, obrigando a produção a ser interrompida. Enquanto não cheguem os coreanos, a opção é reunir-se com a Netflix, que talvez esteja interessada. Segue-se essa divertidíssima sequência onde, depois dos dois responsáveis do gigante das plataformas explicarem que o momento desencadeador da intriga tem de chegar aos dois minutos de filme e que aos trinta e cinco é demasiado tarde para que chegue o conflito principal porque, e cada um repete-o três vezes, a Netflix chega a 190 países, temos direito a esse prodigioso diálogo: "e qual é o momento what the fuck do filme?
"Il Sol dell"Avenire" ou, na tradução aqui em França, "Vers un Avenir Radieux" (para um futuro radioso) é uma magnífica elegia do cinema e da vida, uma afirmação do marxismo de Moretti, antes da deriva soviético-estalinista e, uma outra vez, e em pequenos e delicados momentos do filme, o musical que Moretti anda há algum tempo a "ameaçar" fazer. Ver Moretti a dançar no meio da equipa ao som de um canção popular italiana é mesmo o momento "what the fuck" (no bom sentido) de todo o festival. Pode não gostar do cinema de Moretti, não vem mal nenhum ao mundo e ainda bem que nem toda a gente gosta do mesmo, no cinema ou na vida, mas para quem segue com entusiasmo a carreira única do realizador italiano, o seu último filme é uma pequena jóia de cinema.
Num outro registo completamente distinto, Marco Bellocchio volta a mostrar porque razão é um dos grandes cineastas vivos e o último representante de uma geração anterior a Moretti que marcou e definiu o cinema mundial. Aos 83 anos mas em grande forma, e após uma carreira de cerca de meio século, Bellocchio está também em competição em Cannes com "Il Rapito" ("O Rapto"), um poderoso e implacável repto anti-clerical e um profundo estudo da natureza humana.
O filme retoma um episódio ocorrido em 1858, quando os soldados do Papa Pio IX entram no bairro judeu de Bolonha e raptam Edgardo, o filho de sete anos da família Mortara. O jovem será batizado em segredo e mantido sob a égide do Papa, até que, com a libertação de Roma, os republicanos o conseguem resgatar. Mas será que Edgardo, hoje um adulto com direito a escolher a sua opção religiosa, os irá seguir?
Apesar da Palma honorária que recebeu há dois anos, esta é a sétima vez que Bellocchio é candidato à Palma de Ouro, fazendo parte do grupo de consagrados em competição que ainda não o conseguiu. Apesar do classicismo de "Il Rapito", será desta? A brigada italiana foi curiosamente deixada para a parte final do festival. Aos filmes de Moretti e Bellochio junta-se amanhã "La Chimera", de Alice Rohrwacher.