Capicua, João Caçador e Hélio Morais são algumas das novas vozes da música de intervenção. Temáticas do feminismo, LGBTQIA+ e democracia muito presentes.
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A música de intervenção está mais diversa. Diversa de intérpretes, de temáticas e de estilos musicais. "É inevitável ouvir "música de intervenção" e pensar nos anos da ditadura, mas, ao longo das décadas, a cultura musical de protesto tem estado presente, e cada vez mais diversificada", explica a socióloga Paula Guerra.
Logo nos anos 1980, a música de cariz mais interventivo assestava as críticas sociais à entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia e à obrigatoriedade do serviço militar. E assim foi evoluindo a canção de protesto, intrinsecamente ligada ao contexto político, económico e social de cada época, explica a docente da Universidade do Porto, especializada na temática das artes.
Falando sobre música de intervenção no pós-revolução, Paula Guerra acredita ser importante destacar dois estilos prementes na intervenção social: hip-hop e punk. "Alimentação, direitos dos animais ou emancipação da mulher: nenhum deles é um tema recente, já na viragem do século o panorama musical se pautava por estas mensagens."
Quem cresceu com a canção de protesto foi Ana Matos Fernandes, conhecida como Capicua. Zeca Afonso, José Mário Branco ou Sérgio Godinho são referências incontornáveis na formação musical da rapper, a par da canção de protesto que se fez nos anos 1990, com o hip-hop.
"Amarras e mordaças"
Reconhecendo que hoje existe maior heterogeneidade, Capicua estabelece as diferenças com o que se passava antes do 25 de Abril. "Todos os grandes nomes que conhecemos eram homens, da mesma idade e cor política", enfatiza. A artista acredita que a liberdade conquistada em 1974 trouxe uma nova característica à música interventiva: representatividade.
Nesta ideia entra também João Caçador, elemento do duo Fado Bicha, juntamente com Lila Fadista. Para o guitarrista, a liberdade não está ainda alcançada. "O Mundo ocidental rege-se pelas lógicas de mercado, que impõe amarras e mordaças à liberdade criativa. Se tenho um povo explorado, que chega cansado do trabalho e não tem perspetivas de melhorar, não será um povo capaz de ouvir música de protesto e refletir sobre a mensagem e sobre si próprio", critica.
O caminho que falta
Sobre se considera as atuais lutas sociais a "nova" música de intervenção, João Caçador lembra: "Nós, as minorias, sempre existimos. A diferença é que agora começamos a ter espaço para falar e ser representados". Mas ainda falta caminho, diz, apontando o facto de, no ano passado, o álbum do grupo, "Ocupação", ter sido fortemente elogiado pela crítica e, no primeiro 25 de Abril depois do lançamento, não terem tido qualquer marcação de concerto. "Ainda há preconceito, está é camuflado", aponta.
Hélio Morais, parte integrante dos Linda Martini, corrobora a ideia de que a liberdade é uma luta constante. "Há sempre espaço para se cantar por liberdade, porque a liberdade está constantemente a sofrer ataques de quem tem medo dela".
Olhando para os cantautores de Abril e para a diferença de impacto da "velha" e "nova" canção de protesto, o músico lembra que "a estes artistas coube a responsabilidade de dar palavras para se ter esperança e unir na luta. Hoje não vivemos tempos semelhantes, apesar dos vários ataques à democracia que vamos observando. Talvez por isso não se olhe com a mesma atenção e necessidade para quem está a fazer música interventiva".
Capicua acrescenta que, sendo parte dos "novos" nomes da música de intervenção, sente que há demasiada necessidade de colocar tudo em "caixas". "Os cantores de Abril também cantavam canções de amor. A eles isso não é (tão) reconhecido, enquanto a nós, os novos atores, não nos é reconhecida a canção de protesto dentro de tudo o resto que fazemos", conclui.