Cantora jazz tem novo projeto, Ogre Eletric, e novo disco com sonetos de Shakespeare. Nesta entrevista ao JN fala de tudo e do fim da histórica parceria com Mário Laginha: "Sentimos muito amor um pelo outro, mas ficamos cansados"
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Confessa que é no improviso que se sente feliz, que cuida do corpo como um instrumento, que cantarola em todo o lado, na piscina, até no supermercado, e que se orgulha em ser cantora de jazz - mas admite que não há géneros interditos na lista de quem vive e respira música. Maria João, uma das mais conceituadas cantoras portuguesas, está de volta com "Songs for Shakespeare", um disco a editar a 11 de novembro que compila temas originais musicais onde o ponto de partida são os sonetos de Shakespeare, com um twist moderno. Um trabalho ousado e arrebatador, feito com o seu parceiro de há 10 anos João Farinha, no seu novo projeto de jazz Ogre Eletric.
Como é tratada e recebida a música jazz em Portugal?
Eu acho que muito bem. Acho que as pessoas desenvolveram uma curiosidade, um interesse e um conhecimento ao longo dos últimos anos. Passámos a ter mais concertos, há uma comunidade jazzística em Portugal forte, muito bonita, implantada e com muita personalidade, com muito ADN. A música acabou por se tornar familiar às pessoas.
Jazz já não é nicho?
Não, acho que realmente já não é um nicho. Mas ainda é um parente pobre na música, sabe? Temos que ter mais valentia, temos que nos virar mais. Mas amo pertencer à classe, aos jazzistas daqui. Eu não sou exatamente uma jazzista, mas este é o estilo que me está mais próximo. Gosto de dizer que sou uma cantora, mas mas também sou uma cantora jazz.
A sua parceria com João Farinha, os Ogre Eletric, como surgiu?
Isto é o meu grupo, meu e do João Farinha. Nós somos parceiros e temos responsabilidade partilhada na escolha musical que queremos fazer. Eu tinha as minhas características como cantora e o João tinha tinha características como pianista e tem a sabedoria eletrónica que eu não tinha e que era fundamental para mim - porque eu queria mesmo fazer isto, só não sabia como. E de repente tive a sorte incrível de conhecer este músico extraordinário com este conhecimento e juntou-se a fome à vontade de comer, e fizemos este Ogre.
A parceria com Mário Laginha, de tantos anos, terminou porque queria seguir outros caminhos ou por desgaste natural?
Acho que foi uma rotina natural. Somos bem diferentes e ficamos cansados, discutíamos bastante a dado ponto - mas depois entendía-mo-nos sempre, e sentimos muito amor um pelo outro, passámos por tudo ao longo dos anos. E sim, o desejo de fazer outras coisas também, o desejo de fazer.
"Songs for Shakespeare": porquê o nome e o que esperar?
O disco "Songs for Shakespeare" resulta de uma encomenda de um festival húngaro, de um organizador que tinha também um festival de Shakespeare e conhecia outros do género na Europa - sempre teatro, sem música. Eu atirei para o ar que já se fazia um com música e depois o festival turco convidou-nos. Isto já foi há um tempo. Fizemos primeiro em trio, depois juntámos um baterista. Ficou adormecido posteriormente. E agora apareceu uma oportunidade incrível, com apoio, e pensámos dar-lhe uma dimensão maior e convidar o André Gago, que traduziu muitos sonetos, e que os diz durante os espetáculos. E depois gravámos - foi só música, com um ensemble - e em breve, nos concertos do Brasil, já será com orquestra. Também já temos concertos marcados para a primavera de 2023, provavelmente com versão orquestral. Estou muito feliz. Já demos concertos este ano, na Casa da Música e Capitólio e foi incrível, as pessoas estavam muito emocionadas...Não há nada assim.
Ao vivo, com a sua maneira de interpretar é única. É como se sente mais completa?
É, é ao vivo. Gosto muito. A perfeição, o ensaiar imenso, não é isso que me move. O que me move é a aventura da música, a tentativa, o erro - o erro que nos leva para outras melodias, para outros caminhos, é maravilhoso, isso é que me move. O lugar da improvisação é o meu lugar de eleição, é o meu lugar favorito para existir.
A voz é um verdadeiro instrumento. Como o cuida?
Com desporto, sou vegetariana e cuido de mim. O meu corpo é o meu instrumento, o fôlego é o meu instrumento, trabalho isso. E depois canto o dia todo, cantarolo, às vezes no supermercado - e fica tudo a olhar para mim! -, na piscina onde vou nadar, canto em todo o lado.
Que música cantarola? Que música ouve?
Toda. Um pouco de tudo, ficariam surpreendidos. Gosto muito de uma música do Luís Miguel, qualquer coisa, o importante é que a música nos toque, um detalhe, uma harmonia. Às vezes eu reparo que as pessoas esperam de mim uma erudição que eu não tenho. Eu gosto de muitas coisas, sou influenciada por muitas coisas, como acabei por não estar numa escola propriamente eu não aprendi, eu reparo em tudo.
Mais de 30 discos depois, onde encontra inspiração?
Em todo o lado, é magnífico, Há som em todo o lado, há melodia e ritmo em todo o lado.