No centenário do nascimento da escritora, autores e especialistas na sua obra defendem caráter intemporal dos livros que escreveu.
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Liberta "dos juízos e das reservas" que condicionaram durante décadas a sua leitura, a obra de Agustina Bessa-Luís poderá finalmente ser (re)descoberta, agora que se cumprem exatamente 100 anos sobre o nascimento da autora natural de Vila Meã.
Quem o defende são alguns dos seus mais diligentes seguidores, como o poeta e cronista Pedro Mexia. "Só agora começam a estar reunidas as condições para uma leitura total dos seus romances", observa.
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A forte presença no espaço público do seu tempo tornou-a decerto um rosto familiar junto de muitos. Mas, em simultâneo, poderá ter provocado também, segundo Mexia, "grande resistência junto de leitores que nunca a leram sequer", embora tenham construído em torno da sua escrita um conjunto de ideias apressadas. O fenómeno tem-se diluído com o passar dos anos, "mesmo que Agustina Bessa-Luís nunca venha a ser uma autora para a maioria".
A invulgar resistência ao tempo é também destacada por Isabel Rio Novo. Autora da biografia "O poço e a estrada", a romancista acredita que, "devido ao seu universo atemporal, ela será tão atual no próximo centenário como hoje é". Das múltiplas razões que encontra para esse feito, há uma que se sobrepõe: "Basta abrirmos ao acaso um qualquer livro e encontramos sempre uma frase que nos interpela, nos perturba ou nos alivia".
"Um corpo estranho"
Desde o seu aparecimento no meio literário, em 1949, com "Mundo fechado", Agustina sempre foi "um corpo estranho" no meio literário, como reconhece Francisco Vale, editor da Relógio D'Água. Pelo género, pelas origens, mas também pelo desassombro das opiniões, que deram azo ao longo dos tempos a numerosas polémicas e inimizades.
"A sibila", livro lançado quando tinha 32 anos, projetou-a para um patamar elevado de visibilidade. Mas confinou-a também a um território fechado, com os seus livros a serem lidos sobretudo por pessoas com mais de 50 anos e oriundas de famílias conservadoras.
Foi preciso esperar até à década de 1990 para que o panorama começasse a mudar. As adaptações feitas por Manoel de Oliveira, primeiro, e de seguida por João Botelho, trouxeram "novos leitores, disponíveis para o espanto, a audácia do insólito e as contradições", como aponta Francisco Vale, apreciador da forma como a escritora amarantina "sempre explorou as contradições da vida familiar e foi sensível ao efeito das mudanças políticas nos carateres e nas virtualidades da língua portuguesa".
Momento definidor
Numa época de simplificações várias e de empobrecimento acelerado da linguagem, ler Agustina significa termos acesso "a um Mundo que já quase não existe", diz Gonçalo M. Tavares. "O Mundo e a História estão lá no fundo, quase como uma paisagem. O que é importante é o que vai sendo dito pelas personagens, quase todas sábias, embora não se apresentem como tal", prossegue. Nestes "romances produtores de pensamento", o autor confessa-se impressionado com "a afirmação sucessiva de grandes ideias", expressas sob a forma de "frases potentes".
É neste momento definidor que se iniciam as comemorações do centenário.
Oportunidade para "trazer mais leitores da obra de Agustina", como afirma Isabel Rio Novo, ou para "reconhecer o seu valor nacional e internacional", segundo o comissário-geral das comemorações, António Fontainhas Fernandes, o ambicioso programa estende-se até outubro do próximo ano.
"Fanny owen" em chinês
No plano editorial também se adivinham novidades. Os característicos aforismos agustinianos vão ser coligidos numa edição, o mesmo acontecendo com "Breviário no Brasil" e "Alma dos ricos". Títulos que se somam à publicação de "O livro dos prefácios" e "As sibilas - Diálogos em sfumato", de Mónica Baldaque.
Sem prazo definido para a publicação está a prometida biografia escrita pelo historiador Rui Ramos, "talvez a pessoa que, em Portugal, melhor conhece a sua vida e obra", afirma o editor da Relógio D"Água.
A internacionalização da sua obra - pouco conhecida nos principais mercados, com exceção do alemão e do francês - figura também entre os objetivos. Em parceria com o Instituto Camões, várias exposições dedicadas à sua vida e obra vão passar por centros culturais portugueses espalhados pelo Mundo.
Alguns sinais encorajadores começam entretanto a chegar: o influente suplemento cultural "Babelia", do jornal "El País", dedicou recentemente a sua capa a Agustina, comparando-a a Marguerite Yourcenar e Virginia Woolf e estão previstas novas traduções de livros seus para idiomas como o castelhano, inglês e até chinês ("Fanny Owen").