Ofensiva britânica no primeiro dia do Primavera Sound que começou (quase) solar, transportou o público para uma espécie de Glastonbury.
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"O São Pedro não é nada nosso amigo. Aiiiii, a maquilhagem waterproof", gritava Ana empoleirada nos ombros do amigo Afonso, com os brilhantes a ameaçar descolar, a base a derreter, olhos de panda e os cabelos a escorrer. Ao quadro juntava-se uma brigada de cavaleiros do apocalipse, impávidos de capuchos negros, narizes de fora, estrategicamente colocados, debaixo das árvores, a observar a cena.
A ameaça começou a pairar quando Baby Keem, (o que é primo do Kendrick Lamar), tomava o Palco Porto de assalto e cantava "Range Brothers" e nos dizia "You cannot hide behind the shades, I see right through you...." e milhares de braços no ar, começaram a sentir as primeiras gotas.
A partir daqui, tudo o que se viveu no primeiro dia do Primavera Sound Porto, onde o habitat musical de Glastonbury- o festival que se celebra no Reino Unido desde 1970-, e onde Kate Moss se deixa fotografar todos os anos de galochas, parecia confirmar-se.
As galochas eram mesmo necessárias
Comecemos pelo fim. As galochas eram afinal necessárias, também no Porto. Quando os "The Comet is coming", banda londrina, subiram ao palco Vodafone, a chuva caía incessável. Com a animação multimedia, repentinamente como num portal do tempo, a pergunta surgia: "Em que mês estamos?" Sim, junho.
Há quem insista em empunhar guarda-chuva, perante os olhares e protestos alheios. O álcool começa a ser diluído com água da chuva. Mas, Shabaka Hutchings e o seu saxofone são capazes de sacudir qualquer quesília. Quando entra "Summon the fire" já qualquer animosidade se desfaz num àpice. "Blood of the past" e Dan Leavers, animador de serviço, braço no ar e pés no teclado, óculos de sol, assim como a batida de Betamax Killer que cola toda esta parafernália de funk, rock psicadélico e jazz. Exotismo e virtuosismo.
Horas antes, quando ainda não havia chuva, a brigada "das bifas" como disse pejorativamente um membro do público, tomava de assalto três dos palcos. "Hello!" sibila Alison Goldfrapp e os estômagos a vibrar em uníssono com os graves, tiveram uma miragem em azul metalizado da cabeça aos pés, como o seu tema "Eletric blue", da sua nova vida a solo.
A pose é teatral, emoldurada por um trio de bailarinos, mas a dança, propriamente dita é do baterista. No público pululam leques e bandeiras arco-íris e borrões de tinta, no cenário. "Ok, vocês conhecem esta", a frase parece ser a sua muleta, a cada nova canção. E é certeira, a voz de Alison Goldfrapp está instalada como verme auditivo, há 24 anos, desde temas como "Number one" ou "Utopia" que lhe conhecemos as variáveis.
Mas, ao vivo acrescenta-se o seu campeonato de descaramento que entra com "Train" (de 2003), se segue com "Gatto Gelato" e envereda em "So hard, so hot". Mas, é com o refrão "We"re never coming back", de "Rocket" que levanta a clareira e amocha os trevos. "Oh la la la" e as suas asas de de vampirinha cintilante sugam as agruras do público, escudada por músicos bem experientes, rematando com "Fever".
Mas nem tudo é dançável
Como dizia Beatriz Pessoa portuguesa que abriu o Primavera Sound Porto "a dança aquece soluções para os dias tortos" , mas quem parece ter dias mais tortos é a novíssima Holly Humberstone. A melancólica estrela foi descoberta no Glastonbury e é graças a ele que o público do Porto se comoveu com temas como "Falling Asleep at the Wheel" ou "Can you afford to loose me?".
Também Georgia, e os seus rótulos: filha de Neil Barnes dos Leftfield e ex- baterista de Kae Tempest, encerrou o trio das mulheres inglesas ao comando.