Charlotte Gainsbourg: "Na década de 1980 vivi os anos mais mágicos com o meu pai"
Filha do cantor Serge Gainsbourg e da atriz Jane Birkin, Charlotte já passou a barreira dos 50 anos, mas continua com a mesma frescura e juventude e em busca de novos projetos, no cinema e na música. Depois de resolver as questões com a mãe no belo documentário onde se estreou na realização, "Jane por Charlotte", é a protagonista de "Os passageiros da noite".
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No filme, passado na Paris da década de 1980, interpreta o papel de uma mulher abandonada pelo marido que encontra num programa noturno de rádio o emprego para poder criar os filhos e a motivação para enfrentar a vida. Estivemos frente a frente a conversar com Charlotte Gainsbourg.
Como é que se interessou por este projeto peculiar?
Foi o processo normal. Li o guião, com o meu agente, em quem tenho uma enorme confiança. Vimos os filmes deste realizador, porque não conhecia pessoalmente o Mikhael [Hers]. Agradou-me imenso a sensibilidade e a delicadeza como ele abordou a história. Sentimental, mesmo. Gostei muito dos filmes anteriores dele e da maneira como ele é, como pessoa.
As questões familiares já estavam em "A acusação" e no documentário sobre a sua mãe...
Foi coincidência. Quando fiz "A acusação" não sabia ainda que ia fazer "Os passageiros da noite". E terminei o meu documentário no meio disto tudo. Não houve nada deliberado. Não há nenhum tipo de cálculo nos projetos que escolho. Sinto-me feliz por haver projetos que vêm ter comigo. Raramente sou eu que vou à procura.
Do que se lembra dos anos de 1980? Tinha nove anos no início dessa década.
Foi o tempo da minha adolescência. Mas, para os miúdos do filme, as músicas que ouvíamos, os gadgets que tínhamos, é tudo tão irreal. Para mim, foi muito emotivo voltar a ver os maços de cigarros Gitanes que o meu pai fumava. Os meus pais separaram-se nos anos 80, obviamente que não foi divertido, mas foi nesses anos que tive os anos mais mágicos com o meu pai. Com a minha mãe era uma coisa mais familiar, como é com todas as raparigas.
Sempre soube que ser atriz era o seu caminho?
Para ser honesta, era esse o caminho que queria seguir. Mas não era tanto pelos filmes, mas fazer parte de uma equipa, ir jantar com eles, dormir num hotel pela primeira vez. Tinha 13 anos quando fiz "Paroles et musique" [de Élie Chouraqui, 1984]. Mas estava assustada, tinha visto vários atores jovens que não conseguiram continuar em adultos. Tinha medo que me acontecesse o mesmo. Era tão supersticiosa que não ousava dizer que era o que queria fazer.
E agora, com os seus filhos?
Estou muito feliz por eles. É um percurso lógico. Não sei o que as minhas filhas irão fazer na vida. Sinto que vão estar atraídas por um percurso artístico. Quem sabe? Mas é claro que vão descobrir os seus caminhos. O meu filho, espero que continue. Mas vai ser difícil se for apenas ator...
Como é que combina a sua carreira de atriz com a de cantora?
É muito difícil. Mas há um equilíbrio, de uma forma bizarra. Neste momento, sinto que fiz muitos filmes, nos últimos três anos. Antes, estive em tournée, e era só música. Decidi parar e concentrar-me no cinema. Agora sinto de novo que estou muito atrasada em relação à minha música. Preciso de mudar outra vez. É sempre problemático porque o que tenho sempre primeiro na minha lista é a minha família.
Tem planos para realizar de novo filmes?
Fazer um filme fez-me querer fazer outro. Tenho de encontrar uma boa razão para o fazer. Quando comecei o documentário não sabia o que estava a fazer. Não sabia se ia durar 20 minutos ou uma hora, ou se algum dia seria exibido nos cinemas. Foi tudo uma grande surpresa. Não sei se já aprendi a ser realizadora, no sentido de contar uma história. Terá de ser uma viagem, outra vez.
Dos muitos filmes que fez quais são os mais importantes para si?
Tive experiências que me fizeram aprender imensas coisas. Em especial os filmes do Lars von Trier ["Ninfomaníaca Vol. 1+2"]. São tão diferentes de outras experiências que tive, são tão radicais. Tenho de confessar que foram as experiências que mais me preencheram.
Continua em contacto com o realizador Lars von Trier?
Trocamos mensagens regularmente. Sinto muito a falta dele. E de trabalhar com ele.