Coreógrafo e diretor do ICI-CCN (centre chorégraphique national Montpellier - Occitanie) é todo sorrisos. Recebe o JN no teatro em Lorient, na Bretanha, depois da estreia de "miramar". No último mês teve cinco dos seus espetáculos em digressão mas não se queixa. Afinal, esteve dois anos sem viajar. De momento, tudo o que anseia é regressar ao Porto, comer uma torrada e uma tosta mista, duas coisas que nunca come em França mas que no Porto, assegura "têm um sabor especial". Este domingo, apresenta a poética "miramar" no Teatro Rivoli, no âmbito do Festival Dias da Dança.
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Qual é o gatilho para criar algo novo? Uma imagem, um som?
O desejo de criar uma forma, de perceber que ao Mundo lhe está a faltar algo, de estar nesse ponto de observação. Neste caso foi alguém que olha alguém a observar o horizonte e vê uma possibilidade coreográfica. Começa como uma experiência, uma sensação, e depois é levá-la para o "laboratório" e convocar os intérpretes. É acima de tudo uma sensação poética e um pouco obsessiva.
"miramar" é parte de uma trilogia, mas o público do Porto não vai ver um dos espetáculos. Fica algum elo perdido?
Bem, é uma trilogia, mas não é uma produção da Netflix [risos]. São três espetáculos em que convoco algo que não está presente. "Une maison" foi criado para o meu pai, que perdi pouco tempo antes do espetáculo. Queria oferecer-lhe um território e convocá-lo. Os outros dois são exatamente sobre o mesmo facto, uma convocatória à Natureza, algo que está além do horizonte.
Miramar tem algum significado, além de mirar o mar?
Tenho vários miramar na minha vida, por isso pensava que talvez a peça pudesse ter este nome. Nasci em Cannes, há a praia de Miramar em Biarritz, e há uns tempos, ao abrir uma caixinha, em casa, encontrei uma polaroid e enviei-a ao Pedro Rocha [de Serralves] que me disse, "Ah, a foto tirada em Miramar". Pensei, "É isto! A obra vai-se chamar "miramar"". Ou seja, é uma linda história que também tem o Porto. Não fui eu que a escolhi. Miramar é que me escolheu.
O seu espetáculo faz também parte da Temporada Cruzada Portugal-França.
Estou feliz com a Temporada Cruzada, mas não quero que se esgote neste evento. Somos culturas primas e essa é uma ligação que devemos celebrar.
Mas uma prima afastada ou uma prima próxima?
Portugal para mim tem um lugar muito especial. As pessoas conhecem bem o meu trabalho. Vivi em Lisboa, trabalhei muito com a Vera Mantero. E depois o Pedro Rocha e a Cristina Grande [programadores de Serralves] também têm um lugar muito especial no meu coração. Venho de uma família de italianos e franceses, nascidos em Marrocos. Portugal é um sítio a sul, sem ser no Mediterrâneo, é um local só para mim.
Não me está a dizer isso por cortesia?
Adoro a cultura portuguesa. Até tenho um poeta favorito: Mário de Sá-Carneiro.
No ICI há um mestrado com uma coreógrafa portuguesa que lhe é muito querida...
Sim. A Catarina Miranda foi um choque. Houve uma ligação imediata com ela e agora decidimos co-produzir o espetáculo "Cabraquimera". O mundo dela é muito especial. Temos também muitos alunos brasileiros que vieram de Portugal.E também gosto muito do Marco da Silva Ferreira.
No DDD vai dar um workshop. Gosta de ensinar?
Adoro partilhar mas não sou um professor. Um professor é alguém que organiza as coisas e ao fim de dez horas aprendeste determinada matéria. Mais do que nada, é uma oportunidade para conhecer pessoas. Se estivermos vigilantes, os sinais aparecem. Os artistas sabem que as coisas são assim.
A dança europeia está a atravessar um bom momento?
Temos muito boas instituições na Europa. Mas a pandemia deu-nos a oportunidade de recomeçar e questionar alguns aspetos. Estão a aparecer coisas novas e está a ser o fim dos coreógrafos dos anos 80. Por exemplo, a Vania Vaneau [brasileira radicada em França] apresentou o trabalho "Nebula" e criou um cosmos. A mudança é movimento e nós não acreditamos na morte. Eu estou vivo e por isso tenho de me mover. Este é o espelho da vida.
"miramar" de Christian Rizzo, dias 24 (19.30 horas) e 25 (17 horas) Teatro Rivoli