O tradicional Circo de Natal do Coliseu do Porto está de volta esta sexta-feira e traz vários números em estreia absoluta. Esperam-se 40 sessões até dia 8 de janeiro.
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A tradição de 81 anos do Circo de Natal do Coliseu do Porto volta a cumprir-se a partir desta sexta-feira.
Como é habitual, o circo reinventa-se, trazendo uma nova história e novos artistas com técnicas circenses também em estreia no Coliseu, destacando-se a "manipulação de diablos", "rolla-bolla", a "roda da morte" e a "suspensão capilar".
O cenário faz lembrar um videojogo ou um deserto cyberpunk, sustentando a narrativa inspirada na fábula inacabada "Os gigantes da montanha", de Luigi Pirandello. Uma ideia do diretor artístico, Rui Paixão, que também integra o elenco, dando "corpo a um palhaço que quer muito ser vilão", aponta o comunicado de imprensa.
O diretor assume que escolheu esta fábula por ser a última que Pirandello escreveu em vida, considerando-a um "hino à arte". "Aquilo que lhe parece ser um bem essencial para continuarmos vivos é a celebração, a festa, o estarmos todos juntos, com alegria", enfatiza.
As personagens são as mesmas do conto de Pirandello, mas Rui criou para cada uma, uma "mini dramaturgia", que justificava o porquê daquele número de circo e de que forma se enquadrava em toda a história- um é ladrão, outro teve um encontro com aliens.
A ideia foi construir pela primeira vez "um espetáculo de teatro com circo", refere o diretor, que destaca também a sua formação em teatro. E por isso mesmo todo o espetáculo conta com um narrador, que irá contar a história e trazer este lado mais teatral.
O diretor assume que traz ao Porto o que aprendeu no Cirque du Soleil - primeiro português a integrar a companhia: "Um espetáculo de circo não se resume apenas ao número que vamos apresentar, mas a todo o ambiente, estética, figurinos.".
Foram dez dias a preparar todo o ambiente, para que o público ao entrar no Coliseu sinta que se encontra mesmo num deserto.
Ao mesmo tempo, pretendem dar a alusão que sai de um ecrã de computador e fazer lembrar um videojogo. É trazido um cenário atual e aliado à tecnologia, de modo a "convencer os mais novos que o circo é uma arte com futuro", refere o diretor artístico. "É como se este espetáculo de circo fosse quase como um 'Mad Max' para crianças", refere Mónica Guerreiro, presidente da Associação Amigos do Coliseu do Porto, ao JN.
O objetivo é continuar com a tradição de ir ver o circo do coliseu, chamar geração em geração e para isso torna-se necessário inovar todos os anos.
Pelo 3º ano consecutivo, a música será tocada ao vivo pela Banda da Festa do Circo. A direção musical está a cargo do compositor Ramón Galarza, artista que gravou há 35 anos o disco "A Festa do Circo", para o Chapitô. O desafio foi criar novos arranjos para o disco e incluir as suas músicas neste circo, remetendo o público para um imaginário tradicional.
"Que comece a festa do circo"
Ao longo de um espetáculo de 95 minutos, um mago (Paulo Azevedo) irá narrar toda a história e apresentar as personagens. Caraterizado como um verme do deserto, o mesmo irá dar início à exibição. Com ele entram várias personagens, que são conhecidos como "os azarentos que vivem isolados, porque acreditam ser a única forma de fazer existir a sua arte e as suas crenças", indica o comunicado.
"Vem gente", grita o narrador durante o ensaio de imprensa e que incita inicialmente os "azarentos" a defenderem o seu espaço daqueles estrangeiros. Os mesmos provocam uma tempestade de areia, sendo visível um ambiente mágico e que nos teletransporta para o deserto.
Os desconhecidos eram afinal uma companhia de circo muito conhecida - O circo da Condessa - que está a fugir da cidade, depois de vários espetáculos fracassados .
É com eles que dão início à festa de circo - "Que comece a festa do circo", grita o mago. Começa a música, a dança, a magia, o fogo e todas os vários números, como o malabarismo, a suspensão capilar, clown, rolla-bolla, pinos, diabolo, roda cyr e a roda da morte.
Todos os artistas, durante a sua exibição, vão ter o palhaço Daniel Gonçalves e "as gémeas", Carolina Vasconcelos e Emilia Parol a distraí-los e interrompê-los. Provocarão grandes gargalhadas no público, promovendo um ambiente familiar e divertido.
Entretanto, no decorrer do espetáculo, o narrador afirma que "inventámos uma máquina de caçar pirilampos". Rapidamente, o coliseu é todo iluminado e o cenário do deserto sobe, revelando uma grande surpresa.
O fim fica em aberto e para reflexão, com a seguinte frase exibida: "Só se poder ter tudo quando já não se tem nada".
Um voltar à normalidade
Este ano houve, novamente, "grande liberdade" para trazer artistas de outros países, algo que não acontecia nos últimos dois anos devido à pandemia de covid-19 - o Coliseu teve que optar por recrutar talento local em Portugal.
Volta-se a um espetáculo internacional, constituído por 30 artistas e criadores de seis nacionalidades diferentes (português, russo, brasileiro, francês, costa-riquenho, polaco) e "à medida que a direção artística imaginava", acrescenta Mónica Guerreiro.
A presidente explica que, em vez de terem a necessidade de trazer a ilusão e a magia para o espetáculo através de experientes na área, "que é um ingrediente fundamental em qualquer circo", ensinaram ilusionismo aos próprios acrobatas e participantes. O professor foi o mágico Mário Daniel, o diretor de ilusionismo do circo do Coliseu.
Pela primeira vez, o Coliseu abriu audições para encontrar novos talentos, algo que acabou por ser um grande sucesso. Apareceram mais de 200 artistas, e desses, três foram selecionados. O diretor artístico, Rui Paixão, assume que pretendiam "dar espaço a que qualquer um possa fazer parte de um espetáculo de circo".
Pedro Matias, o artista português que irá mostrar o que é o "rolla-bolla", quis dar o seu testemunho de como é fazer parte deste circo: "É sempre gratificante nós podermos partilhar o que fazemos para este circo, que tem tanta tradição na cidade do Porto".
"Coliseu + Inclusivo"
No âmbito do projeto "Coliseu + Inclusivo", todas as sessões de circo serão "descontraídas", o que quer dizer que todo o espetáculo foi adaptado a pessoas que necessitem de um ambiente mais calmo, "para pessoas com défices de atenção, deficiência intelectual, condições de espetro autista, alterações sensoriais ou de comunicação, assim como famílias com crianças pequenas", refere o comunicado de imprensa.
Também haverá três sessões com audiodescrição para pessoas cegas e três com Língua gestual portuguesa para pessoas surdas.
Mónica Guerreiro refere que o objetivo é "fazer com que as condições de acessibilidade para o público, consigam revelar a nossa preocupação em tê-lo cada vez mais inclusivo e democrático".
A mesma responsável refere que se o circo não tiver essas acessibilidades, determinados membros da família não poderão vir e acaba por quebrar a ideia de que "o circo é em família e para todos", acrescenta.
De modo a promover a saúde mental, também estará ao dispor uma "sala de conforto". A mesma é vista como um "espaço de tranquilidade a que os espectadores podem recorrer, caso necessitem de um momento de calma ou mesmo até para amamentação". A sala é equipada com abafadores de ruído, objetos de estimulação sensorial e com alguns pufes - foi construída com sugestões de uma psicóloga.