Companhia da coreógrafa completa 30 anos de atividade no meio de uma pandemia que atirou as calendarizações para um tornado que só a resiliência poderá vencer
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Os dias são de muito computador, muita burocracia e muito reagendamento. Um processo castrador em termos criativos, conta a coreógrafa Clara Andermatt, que começa a acusar a falta do quotidiano no estúdio, uma rotina diária desde que tinha três anos e frequentava as classes da mãe, Luna Andermatt.
O tempo avança, e mesmo que Clara não pense nisso em demasia, passaram-se 30 anos desde que formou a sua companhia e se tornou um dos membros mais destacados da geração da Nova Dança Portuguesa.
"Não sou saudosista porque houve coisas difíceis, que permanecem, mas vamos ganhando outras coisas. Fomos um grupo de pessoas que interagiu muito e fazíamos tudo: éramos intérpretes, professores, coreógrafos, montávamos linóleos e fazíamos as luzes." Uma força que encandeou, em parte, a geração seguinte da dança nacional, "quando há uma grande luta._Quem vem logo a seguir fica baralhado, numa certa sombra".
Desde que começou a sua própria companhia que Clara Andermatt deixou de "ser moldada e intérprete dos outros", o que lhe traz alguma pena porque sempre gostou de estar em palco. Mas, lembrando a entrevista do jovem António Casalinho, que ganhou este fim de semana o Prix de Lausanne, comenta: "Uma escolha que fazemos muda tudo".
E lembra que quando estava na companhia de Ramón Oller, em Barcelona, Anne Teresa de Keersmaeker, mítica diretora da companhia Rosas, lhe telefonou para que fosse a Bruxelas fazer uma audição, mas como não lhe pagava o bilhete de comboio, Clara decidiu não ir. "Se tivesse ido, se calhar estava noutro sítio agora."
Caos e rigor
Completar um percurso de 30 anos não a amedronta: "Tenho essa noção no corpo, das diferentes etapas. Há outras respostas e estamos a ser constantemente confrontados com a passagem do tempo".
Nos processos criativos os gatilhos não são sempre os mesmos. Muito depende dos colaboradores: "Tive a oportunidade de fazer trabalhos muito diferentes e quando já conhecemos as pessoas partimos de outro nível ".
Ainda assim, há algo que "marca muito as minhas peças, uma turbulência, um caos misturado com muito rigor, e tocando esses dois polos há um processo muito intenso na partilha com os intérpretes, uma vibração muito viva". E acrescenta: "No fim nunca posso fugir muito de mim".
Essa é uma das grandes dificuldades por que Clara Andermatt tem passado recentemente. A pandemia veio trazer uma bidimensionalidade álgida às artes performativas. "Não é o mesmo criar algo para o palco e para a câmara. Muita coisa depende da mestria do realizador, porque são linguagens completamente diferentes".
Desde a criação da Companhia que contou com o apoio da DGArtes. Um apoio que, refere, é fundamental. "Ainda que sejamos muito criativos com poucos recursos, vê-se a diferença entre os primeiros espetáculos, em que não têm grandes condições, e agora, em que temos uma dignificação da arte - mesmo com este pingue-pongue de freelancers".
Novo site reúne 30 anos de percurso da Companhia
A Companhia Clara Andermatt lançou este mês um novo site. Algo que a sua criadora considera essencial na divulgação nacional e internacional, porque reúne toda a informação sobre a estrutura. É também uma plataforma onde estão os arquivos que precisavam "quase de uma licença sabática" para serem organizados. " Tive um site há muitos anos, mas fomos vítimas de um ataque informático, por isso sei bem a diferença que faz ter o site ou não ter, especialmente em termos internacionais".
No novo endereço é possível consultar o historial da companhia e da coreógrafa. De todos os galardões que ganhou, Clara Andermatt recorda o Prémio Almada, em 98, que recebeu quando estava na Assembleia Nacional, na cidade da Praia, em Cabo Verde. "Foi brutal a sensação de que as pessoas gostavam do que eu estava a fazer".